Prioridades

Eu adoro a combinação da Melodia com a Harmonia, e a sincronicidade de ambas com a elaboração da Poesia…

Para o meu gosto, essa fórmula é fundamental para a Qualidade na Música Popular, que, por uma série de fatores, sempre foi a minha maior Prioridade como Ser Musical.

O jogo lúdico dos sons se revelou um Universo irresistível na minha história, uma chave identitária.

Tinha a ver, é óbvio, com a minha “nacionalidade brasileira”, com as Épocas de Ouro da Arte Musical do Brasil, principalmente por influência do meu pai, Gelson, médico brilhante e músico nato, ao violão, cavaquinho e bandolim, uma marca de sua família – muito especialmente o ramo dos Lima Verde, do Crato, no Ceará. De um modo geral, a matriz brasileira da Música Popular é uma árvore frondosa, de natureza basilarmente familiar, com os saraus e tertúlias musicais da Casa Brasileira fazendo as pontes sociais, raciais e culturais de um povo muito peculiar.

Desde menino, eu já identificava grande preocupação com a tríade Melodia/Harmonia/Poesia , ao “tirar de ouvido” as músicas ao piano, instrumento que chegou na sala da minha infância no ano de 1958, na Rua Baxiuva, bairro de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo.

“Tirar Música de Ouvido” , como o papai chamava a arte de tocar sem partitura, se revelou o meu maior Dom, um fator diferencial na escola, nas festas de família, festinhas do ginásio, bailinhos do Colégio, reuniões da Faculdade, e posteriormente, riquíssimo repertório para conjuntos e bandas, numa época em que isso foram sucessivas modas, do fox-trot, cool jazz, chorinho, do samba, do samba-canção, da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo, do Clube da Esquina, do Progressivo, dos Festivais, da MPB, e ali seguiria eu, e aqui estamos nós…Essa atividade se baseia no Amor pela Criação do Outro.  É um misto de admiração e desejo de decifrar o Universo Alheio.  É dos diversos níveis de “imitação” que nasce o talento de cada um. E assim, Toda a Beleza do Mundo !

Assim, por causa da admiração pela obra de inúmeros mestres, a minha geometria sempre girou na perspectiva dos três eixos, Melodia/Harmonia/Poesia.

Alguns perguntarão : Mas e o Ritmo ?  É claro que eu não me esqueci dele. Para mim, o Ritmo sempre foi uma espécie de “grid”, o quadriculado no papel onde a Beleza pretenderia se estabelecer…Mas, como vou desenvolver a seguir, o Ritmo é um caso à parte, porque além de ser um ponto-de partida, ao final, oferece “implicações comportamentais”, através do movimento do corpo, e aí entram outros componentes agregados ao “uso da beleza”, e a coisa se torna muito mais complexa, mais fascinante, porque o Ritmo geralmente dita a “primeira utilidade prática” da música. E cada época dita as suas Prioridades.

Hora de abrir parênteses…

É evidente que, por exemplo, a época atual não atribui prioridade alguma para a minha querida tríade “Melodia/Harmonia/Poesia”.  É uma pena, e para mim, que me criei como especialista, é absolutamente lamentável, chegando mesmo a ser insuportável sobreviver em meio ao suplício que nos bombardeia pelos meios coercitivos do Mercado.  O “Gosto da Maioria” . Um Mercado que em nossas infâncias e mocidades foi tão vasto de belezas e legados, então compartilhados por todas as faixas etárias e sociais, hoje chafurda numa maçaroca sem precedentes de lixo e reciclagem de lixo, um Desastre Cultural que, curiosamente, mas não por acaso, corre paralelo ao Armagedon Ambiental. Uma combinação perversa de “Minimalismo Modernoso” com “Ignorância Opcional Voluntária” gerou o ambiente lítero-musical de um século majoritariamente medíocre.  Um Horror !

Mas o que eu posso fazer ? Como vou viver ?

É preciso encarar a realidade : Prioridades.

Agora começa, propriamente, o nosso tema de hoje.

E paradoxalmente, aqui também o nosso tema termina.

Subitamente.

Cada Época tem as suas Prioridades. Cada Povo tem as suas Prioridades. Cada Grupo tem as suas Prioridades. Cada Pessoa tem as suas prioridades. E mais : Uma pessoa pode, por exemplo, pertencer a diversos Grupos diferentes, em cada Época de sua vida, o que torna extremamente mutante e movediça qualquer análise sobre o Mundo, a partir das preferências de uma simples Pessoa !

É por isso que eu desisto de julgar. É preciso fazer essa opção coerente. Opção interessante.

A Humanidade é um Formigueiro Diverso.

Não é um Universo, é um Multiverso.

Cada um faz o que acha melhor. E vive como acha mais bonito viver.

E, com licença, tenho muito ainda o que fazer.

Coisas para as quais eu nasci para fazer, e o Mundo, por mais que persevere, não pode fazer nada para impedir.

Fui !