a Fé

 

Em primeiro lugar, estou fora de polêmicas, não pretendo afirmar aqui, em nenhum momento, que desdenho de qualquer tipo de crença. Vou fazer, sim, uma reflexão sobre as minhas próprias pequenezas e ignorâncias. Falo só sob a ótica da minha limitada visão. Ou sobre a minha ausência de visão. Ninguém pode proferir um julgamento sobre as visões, ou ausências de visão dos outros. Cada um tem seu próprio Universo.
Quando indagado sobre temas espirituais, hoje afirmo, convicto, que “nada sei”, e portanto, também não duvido de nada. Intuo que a iluminação seja simples, e que esteja no esvaziamento da mente. Me percebo fortemente inclinado à “filosofia do anti-conhecimento místico”, como se fosse uma opção pela fé máxima, tão grande que nem coubesse em mim, pura aceitação do mistério total, profunda renúncia às maiores pretensões humanas do “saber”, fundamentos inerentes ao “acreditar na perfeição”. Nesse campo, a meta seria estarmos tão preenchidos que não existisse mais nada, senão o vazio, o vácuo do pensamento. Teólogos e cientistas sempre concordaram e se esmeraram na discussão de que a fé difere da ciência, de forma inconciliável, justamente porque a fé depende de uma aceitação prévia de algum grau de iniciação, alguma adesão a um “conhecimento tácito”, enquanto a ciência duvida por princípio e precisa de todo um arcabouço de razoabilidade para estabelecer qualquer idéia como “lei”. E mesmo estabelecida a “lei científica”, ela vigorará apenas e tão somente até qualquer prova em contrário, e esses desmoronamentos ocorreram, implacáveis, durante toda a história do conhecimento. A ciência é, por definição, sempre provisória. A fé se propõe a ser definitiva. Uma, aposta no erro até acertar, enquanto a outra aposta apenas no acerto sem chances de errar. São algoritmos diferentes na cibernética do pensamento. A ciência crê que é falível, a fé parte da premissa da infalibilidade. Porém, acreditar é uma coisa só. É assumir uma idéia, é endossar um sistema de pensamentos que nos parece razoável, que nos foi provado por a + b ( no caso da ciência ) ou que nos foi legado por tradição, por alguma questionável “comunicação ancestral”. Tanto a fé quanto a ciência têm suas formas (diversas) de acreditar. A fé duvidosa quer, e muito, abarcar a ciência, e tentar conciliar o conhecimento com a divindade. Já a ciência abre mão de abarcar a fé, e alega não precisar da divindade, porque só acredita em erros e acertos. A divindade apresenta um sério problema no Universo tão vasto e insondável quanto movediço e imperfeito : a divindade não teria erros. Pretensão tão miseravelmente humana. Por definição, a divindade é um conceito infinitamente inalcançável e absoluto. Perfeita e desprovida de tensões, de pendências, é atemporal, para alguns de nós é imutável e não tem mais em que se aperfeiçoar, enquanto para outros é dinâmica e está em constante aperfeiçoamento. Contradições em curto-circuito perpétuo. A divindade é onipresente, insondável e incompreensível em sua grandeza e poder. Quanto mais se tente chegar a uma “compreensão”, a uma plenitude de conhecimento, maiores serão os mistérios da divindade, e isto ocorre por definição intrínseca, necessária e suficiente para que a divindade fosse o Ser Regente do Universo. Qualquer divindade é assim, dêem a Ela o nome que quiserem.
Então olho, com todo respeito que me foi ensinado, e até me deslumbro, sem esquecer que muitas vezes fui “tocado” em “visões” (e às quais não dou margem de contestação, são só minhas), perante um templo, uma Catedral em Londres, em Nova Iorque, um mosteiro do Oriente, uma sinagoga, uma mesquita do Levante, que fosse uma pequena capelinha de interior ou uma imensa basílica histórica, uma pirâmide, como um primata hominídeo perante um monolito no filme de Stanley Kubrick, e não consigo não me perguntar, milhares de vezes :
O que é aquilo ? O que, de verdade, está ali ? Aquilo é a casa de Quem ? O que as pessoas que o construíram, e as pessoas que vão ali, materializam naquele lugar ? Aquilo é um monumento dedicado a quê, ou a Quem ? São monumentos ao Desconhecido ? Representações da pequeneza humana ? Ou seriam monumentos à divina pretensão da “Grandeza Humana”? Sei que vão me espinafrar, e com “toda a razão”, mas a “razão” é tudo que NÃO está nesses lugares. Ali estaria algo que chamamos de fé. E quem é que jamais teve, no fundo de sua “alma”, questionamentos e perguntas como estas ? Qualquer divindade não gostaria muito mais de quem fizesse essas perguntas ?

(10 de Janeiro de 2014 )