A antena de cada um
Sucesso Fake
Afetação
Acordar com um insight
Guilherme Arantes
Publicado por Guilherme Arantes ·
1 d
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acordei tendo um insight claríssimo sobre o que realmente representa a pessoa “se aposentar”, “pendurar a chuteira”, “encerrar a carreira”, e outros termos que descrevem o eterno anseio interior de mudança…e o fechamento ilusório de um ciclo “produtivo” …
acompanho eternamente esses processos nos meus colegas e amigos, depois de uma faixa de idade, terem essas reflexões sobre o cansaço e sobre os efeitos desse cansaço sobre o futuro, quando são perguntados – ou quando se perguntam- se não está na hora de parar”…
é óbvio que o assunto também está sempre em pauta na minha alma, então vou elaborar aqui o meu insight porque isto também me ajudará muito a me entender melhor.
Hoje eu enxergo que sou um individuo muito peculiar, de muitos personagens .
Um deles é o mais remoto, se diverte em tocar o piano. Não se preocupa muito em ser virtuose, nem em competir e ter “performance atlética” no instrumento, é intuitivo, indisciplinado e indomável : é espirituoso e alegre, o seu núcleo de funcionamento é o prazer puro de um menino que senta ao piano e simplesmente ali ele esquece do mundo . É um fauno, um pequeno Deus, presunçoso e livre, eternamente feliz.
O segundo personagem, também antigo, remoto e emblematico da minha natureza, é um pequeno Geppetto . Um artesão dotado de mãos indomáveis e com vida própria : desenhista, escultor, pedreiro, encanador, marceneiro, eletricista, metalúrgico, mecanico, serralheiro, pintor, restaurador, relojoeiro, paneleiro, sapateiro, lustrador, tecnico eletronico, fotografo, projetista, decorador, tapeceiro, afinador de piano, etc. etc . tudo que mais a imaginação me trouxer de artesanias e serviços gerais : é completamente alucinado e tem vida própria , faz cagadas homéricas, se mete a balão em tudo que é tarefa,algumas vezes com resultados desastrosos, mas em compensação, inúmeras vezes com realizações magistrais, inacreditáveis . As vezes é um personagem cansado, às vezes fica triste com as mãos machucadas, o corpo sente e acusa a passagem do tempo, porque ele exige muito de si e percebe suas limitações .
O terceiro personagem é um pequeno poeta .
É um gnomo, um anãozinho falante, fugidio, em permanente estado de esgrima com as palavras, tem a compulsão de dizer, de pensar e de falar, porque as idéias vêm em borbotões de cordões encadeados e precisam sair para o papel . Somente isso : para o papel . Não é um bardo, porque não quer platéia, é tímido e retraído . Esse personagem é muito sazonal e arredio, é nômade, adora desaparecer e viajar para longe, sempre mais longe, para o desconhecido, para as regiões mais límbicas, crepusculares da alma. Totalmente desprovido de medo, não tem a menor noção do perigo, brinca sempre nas beiradas do precipício, e isso já me levou a estar por um triz de muitas tragédias, por eu estar sob o dominio desse gnomo irresponsável…É ele que me colocou tantas vezes em situações dificílimas de contornar, por falar demais e me jogar em confusões sem a menor necessidade. Mas ele também me trouxe grandes alegrias e realizações na vida e para o mundo à minha volta, porque materializou sentimentos em forma de versos, o que me deu asas para voar entre os astros para eu conhecer o Universo dos Mestres que eu mais admirava e que povoavam os livros que mudaram a minha vida …
O quarto personagem é um pequeno palhaço .
Na escola, era o que imitava os professores, arrancava gargalhadas da sala de aula, era exibido por natureza, era outro irresponsável que no Clube pulava do trampolim, rente à beirada da piscina , correndo risco de me deixar tetraplégico com um erro de milimetros no pulo, só para espirrar água nas meninas que tomavam sol : era um aqua-louco . Foi o mesmo personagem , quando estava meio mestiçado com o gnomo, que me levou até um muro de 6 metros de altura, tentando apanhar uma pipa no telhado do vizinho, e eu caí de costas batendo o cóccix e ficando realmente tetraplégico por algumas horas , só que Deus resolveu me levantar e seguir adiante , por puro livramento milagroso, que eu vivo a testemunhar … mas o palhaço-meio-gnomo nao estava nem aí, e me encarnava compulsivamente nas festinhas, sempre pronto para “entreter” e “brilhar”ao piano, tocando de ouvido todas as musicas do rádio e fazendo a família, a turma da faculdade, fazendo toda a humanidade possível à minha volta cantar… vaidoso, adorador do cinema, se espelhava nos seus ídolos para compor o seu figurino, sonhava ser o sonho dos corações sonhadores, e acreditava na beleza e no carisma para conquistar o mundo…Mas o palhaço também era um iludido, porque sempre vive acreditando que a verdade de si estaria no espelho de si apresentado pelo olhar dos outros humanos.
Sua questão basal é perguntar : “Hoje tem Marmelada ?”
Sempre vigilante, de olho na bilheteria do circo, é um escravo da “utilidade da arte” , esse é seu grande dilema : até quando aguentará ?
Mas seria um personagem indispensável na minha química, na composição da minha história, porque se não fosse por sua vaidade de se mostrar, de buscar o espelho dos olhos dos outros humanos, a aprovação do mundo, nem o menino pianista, nem o gnomo poeta teriam tido palco para virem à tona. …
Pois bem .
Quando penso nos temas “aposentadoria” , “penduração de chuteira” , na verdade eu encontro um vazio .
Não encontro nada ali : é mais outra miragem da vida .
No máximo, vou conseguir que passe a prevalecer algum outro personagem do meu elenco interior .
Pode passar a prevalecer em mim o Geppetto, por exemplo .
Combina mais com a minha nova idade ?
O Geppetto não é um velhinho muito feliz ?
Talvez sim, porque não ?
E se o gnomo pequeno poeta prevalecer por um tempo ? Algum problema em mim ?
O gnomo tem idade , afinal ?
Engana-se quem pensa que o palhaço, por ser mais famoso, por viver do espelho do mundo, é o mais importante dos quatro.
É só mais um, e é aquele que carrega o fardo de olhar a venda de ingressos e a lotação da platéia. As vezes, é ele que gostaria de se aposentar, porque carrega a cruz chamada “carreira” : nada mais ilusório .
O menino do piano, o Gepetto na sua oficina da vida , ou o duende dos poemas, nenhum deles jamais aceitou nenhuma cruz para carregar.
E o palhaço sempre será a inspiração para todos eles .
É por isso que pra mim não existe esse negocio de pendurar as chuteiras .
É só em cada época diferente trocar de personagem.
Com licença, que hoje o Geppetto precisa voltar para a oficina.
Porque o menino quer voltar para o piano .
Prioridades
Eu adoro a combinação da Melodia com a Harmonia, e a sincronicidade de ambas com a elaboração da Poesia…
Para o meu gosto, essa fórmula é fundamental para a Qualidade na Música Popular, que, por uma série de fatores, sempre foi a minha maior Prioridade como Ser Musical.
O jogo lúdico dos sons se revelou um Universo irresistível na minha história, uma chave identitária.
Tinha a ver, é óbvio, com a minha “nacionalidade brasileira”, com as Épocas de Ouro da Arte Musical do Brasil, principalmente por influência do meu pai, Gelson, médico brilhante e músico nato, ao violão, cavaquinho e bandolim, uma marca de sua família – muito especialmente o ramo dos Lima Verde, do Crato, no Ceará. De um modo geral, a matriz brasileira da Música Popular é uma árvore frondosa, de natureza basilarmente familiar, com os saraus e tertúlias musicais da Casa Brasileira fazendo as pontes sociais, raciais e culturais de um povo muito peculiar.
Desde menino, eu já identificava grande preocupação com a tríade Melodia/Harmonia/Poesia , ao “tirar de ouvido” as músicas ao piano, instrumento que chegou na sala da minha infância no ano de 1958, na Rua Baxiuva, bairro de Santo Amaro, Zona Sul de São Paulo.
“Tirar Música de Ouvido” , como o papai chamava a arte de tocar sem partitura, se revelou o meu maior Dom, um fator diferencial na escola, nas festas de família, festinhas do ginásio, bailinhos do Colégio, reuniões da Faculdade, e posteriormente, riquíssimo repertório para conjuntos e bandas, numa época em que isso foram sucessivas modas, do fox-trot, cool jazz, chorinho, do samba, do samba-canção, da Bossa Nova, da Jovem Guarda, do Tropicalismo, do Clube da Esquina, do Progressivo, dos Festivais, da MPB, e ali seguiria eu, e aqui estamos nós…Essa atividade se baseia no Amor pela Criação do Outro. É um misto de admiração e desejo de decifrar o Universo Alheio. É dos diversos níveis de “imitação” que nasce o talento de cada um. E assim, Toda a Beleza do Mundo !
Assim, por causa da admiração pela obra de inúmeros mestres, a minha geometria sempre girou na perspectiva dos três eixos, Melodia/Harmonia/Poesia.
Alguns perguntarão : Mas e o Ritmo ? É claro que eu não me esqueci dele. Para mim, o Ritmo sempre foi uma espécie de “grid”, o quadriculado no papel onde a Beleza pretenderia se estabelecer…Mas, como vou desenvolver a seguir, o Ritmo é um caso à parte, porque além de ser um ponto-de partida, ao final, oferece “implicações comportamentais”, através do movimento do corpo, e aí entram outros componentes agregados ao “uso da beleza”, e a coisa se torna muito mais complexa, mais fascinante, porque o Ritmo geralmente dita a “primeira utilidade prática” da música. E cada época dita as suas Prioridades.
Hora de abrir parênteses…
É evidente que, por exemplo, a época atual não atribui prioridade alguma para a minha querida tríade “Melodia/Harmonia/Poesia”. É uma pena, e para mim, que me criei como especialista, é absolutamente lamentável, chegando mesmo a ser insuportável sobreviver em meio ao suplício que nos bombardeia pelos meios coercitivos do Mercado. O “Gosto da Maioria” . Um Mercado que em nossas infâncias e mocidades foi tão vasto de belezas e legados, então compartilhados por todas as faixas etárias e sociais, hoje chafurda numa maçaroca sem precedentes de lixo e reciclagem de lixo, um Desastre Cultural que, curiosamente, mas não por acaso, corre paralelo ao Armagedon Ambiental. Uma combinação perversa de “Minimalismo Modernoso” com “Ignorância Opcional Voluntária” gerou o ambiente lítero-musical de um século majoritariamente medíocre. Um Horror !
Mas o que eu posso fazer ? Como vou viver ?
É preciso encarar a realidade : Prioridades.
Agora começa, propriamente, o nosso tema de hoje.
E paradoxalmente, aqui também o nosso tema termina.
Subitamente.
Cada Época tem as suas Prioridades. Cada Povo tem as suas Prioridades. Cada Grupo tem as suas Prioridades. Cada Pessoa tem as suas prioridades. E mais : Uma pessoa pode, por exemplo, pertencer a diversos Grupos diferentes, em cada Época de sua vida, o que torna extremamente mutante e movediça qualquer análise sobre o Mundo, a partir das preferências de uma simples Pessoa !
É por isso que eu desisto de julgar. É preciso fazer essa opção coerente. Opção interessante.
A Humanidade é um Formigueiro Diverso.
Não é um Universo, é um Multiverso.
Cada um faz o que acha melhor. E vive como acha mais bonito viver.
E, com licença, tenho muito ainda o que fazer.
Coisas para as quais eu nasci para fazer, e o Mundo, por mais que persevere, não pode fazer nada para impedir.
Fui !
Tudo segue como alegoria
Gratificação do Emburrecimento
Emburrecer é gozoso. Isso é facilmente constatado quando a realidade perversa constroi as suas pseudo-narrativas de razoabilidade.
Existe um processo de prazer na negação da inteligência, que faz da estupidez uma das formas de toxina mais viciantes que existem. A perda voluntária da sensibilidade produz o entorpecimento de todo arcabouço moral, um alívio ao desconforto resliliente e compulsório da consciência.
Quando o indivíduo entra no processo da auto negação no vício, o objetivo central é aniquilar os desafios cotidianos da verdade e da virtude. Encher a cara, drogar-se, perder o fio da meada, são formas de transgredir o eterno controle da existencia, gerando uma zona de penumbra em que o tempo e o espaço deixam de fazer sentido, tornam-se elásticos e amorfos como uma goma, uma geléia geral de auto indulgência no terreno do absurdo. O tempo é como uma prisão, que jamais nos dá trégua. O entorpecimento estupefaciente bombardeia basicamente essa estrutura sem trégua, a vida inexorável , o Eros insaciável . Essa penumbra é o reino do Tanatos, da Negação.
O emburrecimento por indução coletiva também age da mesma maneira sobre as zonas de prazer do nosso sistema tão complexo quanto enclausurante. A inteligência também pode ser percebida como uma prisão. Entrar nesse processo de desinteligencia nem é tão complicado de se explicar. Muito mais intrigante é buscarmos responder porque é tão difícil sair depois : Uma vez instalado no território confortável da burrice, o (des)indivíduo torna-se um robô sem autonomia de seus atos, em troca da sensação de segurança que o coletivo brutalizado oferece.
Eis a matéria-prima para os dominios totalitários.