Julio Barroso

30 anos se passaram. Não é mero saudosismo, porque hoje eu vivo o melhor tempo da minha vida, disparado !
Há 30 anos, bem por esta época do ano, eu andava atordoado com a súbita e absurda morte do amigo Júlio Barroso.
Um transformador, de fulgurante trajetória como estrela no universo pop, Julio foi um Midas ( na mais excelente acepção desse título ) da criatividade. Presto aqui, e em qualquer lugar, agora e sempre, minhas homenagens. Muito já se falou a respeito dessa morte, e às vezes, em nome do mito de uma “transgressão geracional”, ( já li em algum lugar, em alguma bosta de “biografia polêmica” que me recuso a citar aqui) de uma forma gratuitamente chocante e vulgar.
Julio era fino, elegante, sutil e amoroso, um lorde, um verdadeiro poeta. (tive o privilégio de conviver com ele e com Paulo Leminski, vejam só…) Na minha vida, muito particularmente, Julio amplificou as sensuais aragens libertadoras da poesia, da vanguarda mallarmaica, rimbaudiana, kerouacquiana, a urgência e a alegria do pensamento veloz, vulcânico, generoso e puro, sem a maldade do pragmatismo utilitário, um lançador de cometas e de super-novas nos insondáveis Universos abissais da mesmice…
Outro dia, postei que adoro uma música do The Cure, “Push” , de um disco que saía justamente em agosto de 85, um ano depois, quando eu já estava morando no Rio…. ( The Head on the Door ). Não foi por acaso. Eu pensei que fosse, mas é a mais óbvia sincronicidade…Serendipidade…No refrão, o genial Robert Smith diz : “Go, Go, Go…Push him away…! … Go,Go, Go, Don’t let him stay… !!!” , como a me advertir para a absoluta urgência da vida, ainda mais diante da morte, uma sensação recorrente ( para quem entende o que eu quero dizer ) que nos empurra, de trambolhão e sem a menor sutileza, para o momento seguinte de nossas existências. A morte soa como um alarme, seja a morte física de um amigo, parente, ídolo , de um animal de estimação, ou mesmo a morte simbólica de uma relação, a morte de uma situação de trabalho, a morte de uma situação de amizade, a morte de uma auto-imagem, a morte de um projeto, de um negócio, a morte de uma fase, de uma ótica de vida, de uma ilusão, morte de uma inocência, de um vício, de uma mania, morte de um ceticismo, morte de uma crença, é sempre a morte que acompanha a vida, em permanente paradoxo metafísico . E viver é justamente o dom de se transformar, estar em movimento de superação, e de eterna imperfeição. Só a morte parece perfeita, estática, como um ponto final. Mas nem mesmo ela, em sua perfeita beleza estática, consegue estancar o Processo, do qual ela é apenas um elo na corrente…Dêem a isso o nome que quiserem…Pra mim tudo serve : o materialismo ateu ou o espiritualismo de qualquer religião, tudo faz todo sentido do mundo para mim, que é de não haver nenhum sentido diante da morte. Naquele momento, eu, que já havia experimentado esse baque , essa impulsão da morte tantas vezes, e dela já havia tirado partido em tantas, tantas fases de reconstrução da minha vida, eu percebia muito bem que, mais do que a perda absurda e inesperada de um amigo tão querido, havia chegado a mais um doloroso rito de passagem. Quantas vezes pude compartilhar da genialidade de Julio Barroso… E como ele era genial e generoso, quantas vezes eu também pude ser genial e generoso para com Julio, tendo o privilégio de ajudar em seu processo criativo, me doando em criações e momentos brilhantes de parceria, Julio me tinha como uma espécie de guru…Que boa lembrança ! Também a profunda amizade com sua irmã, a querida Denise… que partiria também, anos mais tarde, depois de dedicar um livro maravilhoso ao irmão poeta… Por causa dessa(s) morte(s), eu me atiraria corajosamente ao meu destino, assinaria com a CBS, metendo a cara de vez ( e sem nenhum medo de ser feliz, sem melindres com o “sucesso”) no pop que eu tão bem havia aprendido a fazer ( e muito havia aprendido justamente com Julio ) e mudaria para o tão sonhado ( e juliobarroseano) Rio de Janeiro, para o ensolarado Posto Seis na divisa de Copacabana com o Arpoador, tendo trezentos graus de mar nas janelas, desde o Pão Açúcar, Copa, Forte, Diabo, Arpoador, Ipanema e Leblon até os Dois Irmãos e o Vidigal lá no finzinho do horizonte…E, por esses dias, nesta época do ano, tendo à janela o mar azul, o sol dos verões, a festa dos transatlânticos e os barcos da Colônia de Pesca do Posto 6, na minha vitrola do quarto-estúdio onde ficava o piano, (e onde eu faria um “caminhão de hits” duradouros, eternos… ), não parava de tocar o The Cure : “Go, Go, Go”…””Go,Go, Go”…

( 7 de Agosto de 2014 )