Gratidão e estado de Graça

O ano terminando…Um ano muito agitado, acelerado. Publiquei aqui um montão de idéias, muitas questionáveis, e peço a compreensão de que em nenhum momento quis impor nenhum conceito de cima pra baixo, só compartilhar por necessidade de desabafar… Se não respondi muitas perguntas ou não fui recíproco, me desculpem , preciso manifestar o carinho e respeito pela diversidade de opiniões, pela fé de cada um, pela linguagem respeitável e individual de centenas de milhares de pessoas. Cada um pensa de sua forma, tem sua ótica pessoal, e estou aqui para solidarizar muito mais do que polemizar de forma irresponsável. Aos 60 anos, a compaixão é infinitamente mais presente, poderosa, cortante, do que a combatividade de querer mudar o mundo. O mais importante é eu dar o meu testemunho de uma caminhada, de uma reconstrução. Muita gratidão, infinito reconhecimento a uma vida tão generosa, a solidariedade, a malha invisível que nos liga a nossos amigos e mantém de pé os nossos sonhos. Há um ano atrás, eu estava consciente da necessidade de uma guinada, uma transformação, um renascimento, que se materializava numa operação de catarata que mudou a minha visão física, mas que marcava um insight poderoso. Lá na mesa da cirurgia, eu enxergava a realidade da esperança, sempre “por um fio”. A nossa esperança é preciosa e muito delicada. Uma tênue luzinha, na fragilidade da sedação cirúrgica, me dizia que por aquele fiozinho poderia passar um Universo, o futuro, uma revolução. Mergulhei numa crise que não era negativa, muito pelo contrário. Procurei onde estaria a força primordial, que me fez chegar a tantos milagres que não me pertencem, mas pertencem sim a um plano misterioso. Dêem o nome que quiserem. Cada um dá a interpretação que prefere para os milagres. Eu tinha pela frente uma missão, de provar pra mim mesmo que eu não era apenas uma peça de museu, uma referência carinhosa para tantas gerações de admiradores. Que qualquer passado glorioso de admirações, sucessos e tanto reconhecimento era muito pequeno perto da resiliência dessa esperança, o fundamento imorredouro. Me redescobri alegre por ter um longo trajeto a percorrer. Sentí a alegria de ter um “madeiro” para carregar, montanha acima, a felicidade incrível do desafio. Não tinha muitas músicas já alinhavadas, tinha pouca coisa embrionária, estava destreinado e me sentia meio aposentado como compositor. Mas acordava dia a dia feliz pra caminhar mais um milímetro, nota por nota, palavra por palavra, frase por frase, acorde por acorde. A partir de um ponto, vi que estava verticalizando algo, uma espécie de edifício, e não ligava para nada mais, aquilo estava me devolvendo a alegria de viver, de cumprir a minha verdadeira função no mundo, que é de criar coisas onde elas não existem. Estava reinventando uma coisa chamada FOCO. A maior parte da vida, não temos foco. O cotidiano bruto, o mundo dispersivo, os zilhões de possibilidades e prazeres e necessidades , as vaidades, o ruído do mundo, nos fazem o tempo todo ficarmos atarantados e atrapalhados. Ter foco é a grande sabedoria, o pequeno detalhe que faz toda a diferença . O foco é parte inerente do amor. Amar é ter foco. Às vezes , para alguns, o nome disso é a “religião”, o “religare” que pode nos dar esse foco. Às vezes, é a simples ambição que basta para uma pequena vitoria. Às vezes, é determinação, teimosia. Com foco, eu me sinto como um estilista bolando uma coleção. Um artista plástico preparando uma mostra. Um coreógrafo preparando os atos de um espetáculo. Um doutorando preparando uma tese. Um profissional prestando concurso. Um ator entrando num personagem. Vestibulando. Atleta. É tudo igual. Foco, foco, foco. E as coisas, as soluções, as obras, os resultados primários começam a pipocar como cogumelos num videogame. E as músicas começavam a sair, uma, outra, uma terceira…Quando ví , estava como era de costume no “passado glorioso”, fazendo seis músicas simultaneamente. Quando saíram “Condição Humana” e “Olhar Estrangeiro”, eu percebi que estava fazendo um monolito, uma pirâmide, algo muito coeso, cheio de riquezas interiores, senti que tinha reatado em mim o velho Guilherme, o adolescente que tinha um radinho de pilha tocando embutido dentro da cabeça…Um mês bastou pra fazer um dos melhores discos de todas as fases, desde lá do começo…Chamei a banda, que já estava totalmente engatilhada e igualmente focada…Quantas ajudas inestimáveis, dos amigos, dos filhos, dos colaboradores ( muito mais do que empregados, amigos solidários ) o amor sincero e puro da mulher, vibrando, indo conhecendo cada musica que saía, a vibração de todos…Aquele lugar mágico, que eu choro só de pensar…as árvores companheiras, as estrelas no céu da Bahia, a constelação de Órion na cabeça, ( Tempo traz o que você não esperou , nem percebeu que não volta mais, viveu, passou, morreu…Tempo jaz misterioso num cristal…dentro de nós vai regendo a orquestra, a vida, máquina…Tempo vai se escoando pela mão..e eu vou beber dessa fonte , mergulhar no Rio do Amor …lá no fundo é uma paz…é um silêncio interior pra eu escrever meu livro…) a piscina de água quentinha, a Bahia, os cajueiros coalhados de vermelhos frutos de perfume inebriante, a colheita do resultado de tantos anos de batalha – o estúdio, meu ninho, com os pianos alegres e felizes de estarem ganhando vida, som, melodia, tudo cantava…Um dia, outro dia, uma semana, duas, três, num torvelinho insistente, mergulho profundo e veloz. Quando estava tudo já alinhavado, a boa surpresa do coro, a solidariedade dos colegas, as resenhas, criticas generosas, o ciclo virtuoso. Só gratidão. Ficou tudo amarrado, o passado, o presente, o futuro, tudo faria sentido. Por tudo isso, fica o imenso prazer a ser compartilhado com o mundo. É um mundo difícil, cruel ? É. Lugar de gente carne-de-pescoço, casca-grossa . Mas viva a delicadeza ! O mundão velho de guerra começa a mudar cada vez que mudamos nossa percepção. 2014 venha como virá, um ano talvez ainda mais acelerado e explosivo no mundo, e especialmente aqui… Vamos a isso… Não temos medo. Venha o que vier, pra mim, a gratidão é a palavra de 2013.

( 29 de Novembro de 2013 )

Cobranças

Constantemente leio opiniões de que “ando sumido”, que sou discriminado pela “mídia”, que só privilegia artistas questionáveis, etc..etc.. e isso deixa a gente triste, por mais que a intenção sincera seja de dar uma força.
Não sei o que eu deveria estar fazendo, além do que foi feito este ano, para que as pessoas mudassem esse discurso., já que por trás dessa insatisfação, existe, sim, a cobrança de mais resultados, uma sugestão de “insuficiência”. A humanidade é muito cruel, em suas boas-intenções. Não sou injustiçado, muito pelo contrário. Esta página vai chegando a 200.000 “likes”, com quase 800.000 preciosas pessoas participando.
Tudo o que almejamos, foi conseguido exatamente da forma planejada, sem eu ter que engolir sapo nenhum.
O tempo de “over exposure” na TV já foi, para mim.
Hoje sou um cara de 60 anos, que viveu tudo aquilo lá que está na história…
E vejam como é engraçado lembrar : mesmo no auge do ciclo espetacular dos anos 80, por exemplo, no ano de 88, com “Um dia um Adeus” em primeiríssimo lugar nas FMs, brilhando em total destaque como um “midas” do pop, emplacando uma série completamente irrepetível de hits, “passando na cara” da forma mais inegável, inequívoca, no esplendor de uma juventude de 30 anos, uma imagem perfeitamente bem construída , uma postura íntegra no mais invejado sucesso que era possível alguém querer ser aquinhoado, lotando ginásios de 5, 8 mil pessoas, passando o rodo total, eu “também era brutalmente discriminado”. Havia uma competição da mais escrota selvageria, no auge da viabilidade dos discos de vinil, e não tinha Globos de Ouro e nem Fantásticos pra mim. A gente lutava como leões pra vencer o eterno “esse cara já era”…
Quantas vezes ouví isso, já perdí até a conta…No meu segundo ano de carreira já tinham decretado que eu já era…E depois, em ciclos consecutivos, praticamente de dois em dois anos era decretado isso de novo…Já era, esse cara já morreu !
O “Globo de Ouro” que passou outro dia no canal VIVA, valeu muito pra eu refrescar a memória : eu ali estava com uma raiva represada, estava indignado porque a gente estava enfrentando uma dificuldade miserável na TV !!!!! Tinha muito artista pra pouco espaço. A nossa CBS batia de frente numa competição muito acirrada com a RCA ( BMG Ariola ), onde Miguel Plopschi, Michael Sullivan & Paulo Massadas reinavam soberanos e não davam mole para a concorrência, eram implacáveis. Pra não falar nas outras três players ( Poligram , EMI Odeon e Warner ). O disco de vinil era impirateável, e as companhias ganhavam muito, um negócio da china, quem viveu sabe como foi. Mas era muito difícil. E ainda é.
Por isso, quando surgem artistas novos abrindo caminho, quando os veteranos como eu conseguem um pouco de luz , é bom as pessoas darem o maior valor.
Nós mesmos, que estamos nessa batalha há décadas, temos que dar muito valor uns aos outros. Não ficarmos reclamando sempre, querendo mais, mais e mais.
Lembremos sempre que um dia, houve numa periferia pobre e esquecida do mundo, longe dos esplendores magníficos da grande Roma, uma quase-favela (num deserto miserável) chamada Galiléia, um proletário visionário, de uma tribo escravizada e humilhada, que fez uma pequena revolução local, prontamente reprimida, que absolutamente não apareceu na mídia da época, “passou batido” total…
Os Deuses palacianos, reverenciados, Jupiter,Mercurio, Saturno, Venus, Marte, Netuno, Plutão, viraram meros planetas ( este último até rebaixado recentemente a “proto-planeta” ) enquanto Diana, Ceres, Minerva, Pã, Vulcano, Cupido, Febo, e outros menos cotados, viraram marcas comerciais ou sumiram do mapa…
Ah !…Os caminhos misteriosos do sucesso….

( postado no facebook em 24 de Novembro de 2013 )

DIA DO MÚSICO !

Sempre tive orgulho de assinar : profissão: músico.
Sei que somos simples operários de uma arte intangível, mas fundamental para o mundo.
Eu nunca quis ser algo além de um músico…
Criança, me fascinava o ambiente dos compositores, das bandas, orquestras, os cantores. Meu pai tinha esse dom de tocar musica “de ouvido”, por amor, e me ensinou a tocar o cavaquinho e o bandolim. As melhores lembranças que tenho dêle são aqueles momentos na sala do papai, tocando em dupla, ele ao violão, eu pequenininho com o cavaquinho…Adoniran, Vanzolini, Garoto, Dilermando Reis, Noel, Baden,Jobim, Ray Charles…A gente tocava um pouco de tudo. Aprendi que o musico faz um esforço descomunal pra se aprimorar, precisa ter muita humildade.
Homenageio hoje a todos os colegas, grandes, pequenos, anônimos ou poderosos…Ser músico é emanar ao universo uma linguagem espiritual, elevada. Através do som, uma irmandade, uma comunicação instantânea. Homenageio Carlini, Blanc, Willy, Gabriel Martini, minha banda atual, e a todos os músicos maravilhosos com quem pude tocar e aprender tudo, dentro do pouco que eu sei ! Em breve vou escrever sobre cada um deles. Viva o dia do MUSICO !

( 22 de Novembro de 2013 )

Play for a Change

Play for a change…
Porque ainda gosto do mundo ? Porque ainda gosto da humanidade, apesar de tudo de ruim que ela demonstrou ?
O que há comigo, que insisto em olhar a vida e as pessoas com compaixão ?
Porque eu ainda penso que o mundo, sem a humanidade, seria incrivelmente monótono e sem graça ?
Porque não fico amargo de uma vez, vendo tudo errado, constatando que os vizinhos fazem “gato” de luz, de água, que só eu pago luz e água na minha rua ?
Porque, em mais um final de ano, não consigo ficar descrente, vendo pobreza e miséria, roubalheira sem fim, criminalidade de alto a baixo, enganação eterna, a humanidade escrava dos seus vícios ?
Num mundo tão duro , porque ainda choro ?
Porque olho pra frente e há um chamado irresistível rumo ao futuro e à esperança ?
Porque ainda me contagia o clamor da alegria simples, do povo simples do mundo, cuja maior beleza é deixar pra lá a preocupação e celebrar o dom da vida ?

( 22 de Novembro de 2013 )

Orquestra Imperial

Orquestra Imperial, uma experiência inesquecível
Pra mim, foi uma passagem das mais agradáveis da minha carreira, ter tocado ontem no Bola Preta…Um grupo extremamente competente, unido pelo puro prazer da música, pelo lúdico mais salutar e resgatador da alegria, curtição total… Uma “cozinha” admirável, muito energética,nas mãos mágicas de músicos cultos e talentosíssimos, um público encantado e encantador. Adorei mesmo. Tiraram de letra o desafio de um repertorio novo, dando molho e contribuição valiosa em leituras primorosas para minhas canções…Valeu mais ainda eu poder atuar como músico acompanhante, no mesmo espírito que me envolveu há 41 anos atrás, com os mestres Jorge Mautner e Nelson Jacobina, quando eu ainda engatinhava na carreira musical…Me senti de novo recomeçando a vida artística, compartilhando o palco com artistas de verdade, na essência maior da nossa vocação. Obrigado.

( 15 de Novembro de 2013 )

Fio da navalha

Tenho muita gratidão pelo reconhecimento e palavras de apreço
de expoentes da cultura rap e black, a respeito de Fio da Navalha,
uma experiencia fundamental na minha carreira…Dedico então aos amigos Rappin´ Hood, Mano Brown, e a todos que curtem esse classico cult, a versão longa ( extended ) em vinil, com clicks e pops..
Muito fundamental será sempre divulgarmos esta ficha técnica, da qual muito me orgulho :
arranjo e Piano Fender básico – Serginho Trombone
Piano Fender complementar, Piano Yamaha e Voyetra 8 Guilherme Arantes
Bateria: Paulinho Braga
Baixo: Jamil Joanes
Guitarra: Robson Jorge
Percussão: Gigante Brasil
Leo Gandelman, Zé Carlos e Ricardo Ribeiro : Sax
Marcio Montarroyos, Bidinho e Donald : Trumpet
Trombones : Serginho Trombone.
A capa é da não menos legendária Vania Toledo.
Não é mole não !

( 13 de Novembro de 2013 )

Biografias

O Novo Testamento poderá ser recolhido no Brasil ! O Biografado não autorizou e a familia não foi encontrada para receber direitos de liberação da privacidade !
Não há, na História, “biografia” mais manipulada do que a do grande Avatar, cuja fundamentação histórica , aliás, é muito questionada…Nem o Personagem , e nem a família foram consultados. Milhares de versões foram se multiplicando, apenas fundamentadas na tradição oral, o que hoje é meramente classificado como “fofoca”, “diz-que-diz”…Fortunas foram ganhas, impérios se agigantaram, ruíram, reergueram-se com novos nomes. Mas não há novidade nenhuma no mundão velho-de-guerra. Sempre a mesma bosta. O Ser Humano, criação suprema do Universo, é primordialmente um tubo produtor de fezes, e falante. Realmente o mundo “moderno” vai se consolidando como o único inferno que existe, irracional, truculento, grosseiro, escravizador, sem privacidade alguma, e é politicamente incorretíssimo ser retrógrado. Tudo pela informação, o direito do coletivo se impõe ao nobilíssimo indivíduo. Ser indivíduo é a coisa mais perigosa e proibida que existe.
Essa discussão sobre as biografias já caiu. O Procure Saber buscou uma razoabilidade que não se sustenta. É o maior barco furado desde a Arca de Noé, e quem entrou nessa, por mais justificáveis que fossem seus argumentos, já está condenado porque se tratam de direitos midiáticos num mundo que não quer saber de privacidade alguma. Sou contra figuras queridas e colegas de obras respeitáveis se exporem dessa forma, se tornando “Judas” ( aliás, os Judas também são necessários para a consecução de planos mirabolantes ). Pois que os biógrafos falem o que quiserem, liberdade total, luz do sol nas feridas. É inadmissível que biografias realmente vergonhosas possam se acobertar debaixo dessa manta autoritária. Na mesma barraca da privacidade das “celebridades respeitáveis” acampam os maiores bandidos da história. Como lutar a favor dessa estupidez ? Como se postar “heroicamente”, mas muito “retrogradamente” contra a construção de uma sociedade brasileira democrática , ainda tão rudimentar ? Muitas das entrevistas desse grupo, o Procure Saber, têm sido catastróficas, um pântano de enganos, um emaranhado de incongruências, areia-movediça de armadilhas, por si só um escândalo maior do que qualquer biografia não-autorizada. Lamentável. Olhem o estrago que está sendo feito nessas biografias ! Se a Justiça é incompetente ao aplicar sanções contra o estrago das biografias anti-éticas, e esse é o cerne da questão que a lei vigente visaria “proteger”, o que dizer da impunidade geral ? Como fica a população anônima, desprotegida de qualquer prerrogativa especial , sem poder algum de persuasão ? E depois que essa excrescência se consolidar, como vai ficar o Jornalismo ? Há, mesmo, o risco de que, de erro em erro, avancemos para uma sociedade totalmente blindada, chapa-branca .É porisso que essa lei vai cair, e não adianta essa chiadeira. Já caiu. Que perda de tempo !
Entendo que Roberto Carlos, um mestre no fascínio das multidões, deva muito, mas muito mesmo, de seu mito à aura de mistério que cerca sua vida, seus dramas, seus fatos obscuros, construindo uma “lenda” que rende muito mais assunto e proventos enquanto mantida cercada de segredos. Fela Kuti, Michael Jackson, Elvis, Napoleão, Hitler, Sha kespeare, Picasso, Bob Marley, todos os grandes ídolos sempre foram assim, um misto de humano e sobre-humano. As pessoas comuns também devem saber que isso é uma tática recorrente, desde os cafundós da História.
Querem exemplo mais flagrante do que o de Van Gogh, o “injustiçado” ? A “Aura do Mito” é tudo.
Mas o que seria da História sem as biografias, com erros, imprecisões? Uma biografia ruim, é ruim e irá para a lixeira. No final, ao correr dos séculos, o que ficam mesmo são as não-autorizadas. Eis o mundo.
Já que a discussão se generalizou, ocupando espaços monumentais nos formadores de opinião, seria muito mais adequada a liberação prévia das biografias, sim, desde que acompanhada de um quadro claro de sanções ( que não existe – depende de jurisprudências que também não existem) . Medidas balizadoras, valorando pesadamente, “a priori” ,os excessos eventualmente comprovados, os relatos mentirosos, e as devidas reparações, inclusive o recolhimento dos livros flagrantemente infratores, facilitando com isso a monitoração da Justiça, que é cronicamente desaparelhada de instrumentos efetivos para cumprir sua função. Mas a Justiça está aí pra isso.
Cá entre nós, se há uma modalidade pernóstica atualmente é a tal da Biografia de Celebridade-com-Jornalista. Esse tipo de biografia caça-níqueis eu não gosto, porque além de chapa-branca, geralmente é mal feita e resulta numa titica. Ou o cara conta a sua historia ou deixa para alguém contar.
Gostei muito da de Eric Clapton. A de Danuza Leão é um primor, genial , despudoradamente elegante. Erasmo Carlos fez uma biografia maravilhosa, contando suas engraçadas peripécias. E fez muito bem. É isso aí. Apoiado. Adorei, é ouro puro. Ninguém jamais contará sua história de forma tão humana, verdadeira, porque só ele estava lá, e sabe escrever como ninguém. Hoje, ele faz parte desse grupo da camisa-de-força. Porque ? Não entendi, porque gosto muito dêle como músico, poeta e escritor magistral. Sempre gostei quando ele cantava “Falem bem ou mal, mas falem de mim” …
Posso estar errado, posso até me arrepender um dia, e ser vítima de uma biografia maldosa, mentirosa, mas nesse caso ela não será biografia. Será ficção.

( 18 Outubro de 2013 )

Não afirmei em momento algum que o cristianismo é uma farsa.
Mas apenas que se baseia numa sucessão de biografias.
Há certas biografias que se consolidaram, e que sem elas não haveria História. Mais nada ! Sem radicalismos pra cima de mim !

( 18 de Outubro de 2013 )

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Independentemente das controversias filosoficas, devo admitir que hoje e sempre tive total fascínio e respeito pelas escrituras religiosas, e o tema do misticismo na alma humana me é especialmente atraente, um manancial inesgotável em profundidade e extrema beleza. Não sou “iconoclasta” e sim um amador da cultura espiritual. Tudo que envolve a essencia mística me inspira profundamente, o materialismo para mim é profundamente desinteressante. Sou assim mesmo, sempre fui, desde menino. Questionando, indagando, sei que me aproximo mais e mais da essencia espiritual. Me desculpe quem me interpreta mal.

(19 de Outubro de 2013 )

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Posso dizer que sou íntimo da Diretoria. De lá me vieram suficientes sinais , sem que eu fizesse nenhum esforço premeditado. Quando eu chego na porta da Diretoria, ela se abre sozinha, como se eu fosse o Patrão. Quando eu chamo, o Patrão está lá no fundo de mim, e nunca está longe, distante, nas alturas, nas eternidades, está mesmo aqui, sem nenhuma pompa ou circunstância. Nunca precisei de despachante, sempre fui atendido apenas com um pensamento focado. Mais nada. Aquele que se levantou da morte é uma realidade também porque eu quero que assim seja, o mais velho e leal companheiro , sem cerimônia alguma, um campesino descalço, que não precisa de nada, se alimenta de muito pouco pão e um gole de água, (embora adore beber um vinho comigo – nada de suco de uva, mas vinho mesmo, espirituoso, repleto em espírito ), vive e anda do meu lado, é engraçado, sagaz, divertido. Nunca foi um chato, um mero ditador de regras, sempre um perguntador inquieto, questionador. Dá boas risadas e tem muita alegria pra compartilhar com seu carisma irresistivelmente simples, de outra forma não teria conquistado o que conquistou. Não mora em nenhuma edificação,em nenhum monumento. Não precisa de templo algum, mas também não condena templo algum. Pra Ele, como pra mim, todos os caminhos são frutíferos. E me diz a toda hora que estou aprendendo, chegando mais e mais perto. Por tudo isso, posso afirmar : a Diretoria é intima.

( 20 de Outubro de 2013 )

Os olhos de dentro

Operação de Catarata em 2012 mudou minha otica.
Dali parti pra transformar meu Universo.
Escrevi uma homenagem aos medicos, e uma ode ao fiozinho de luz interior :

Com os olhos de dentro
Tive um “insight” inédito e inesquecível
Ví toda a minha esperança fluir
Num fiozinho de luz
Ali estava entregue
Operavam mãos plenas de milagre
De uma gente humana, de estranha coragem
E daquela escuridão que me cercava
Me senti frágil e forte ao mesmo tempo
Frágil porque meu futuro não dependia só de mim…
Forte porque me entregava, em corpo e alma…
…e não há conforto maior do que na entrega e na fé…
Deslocado do eterno controle sobre o destino
Lá do fundo silencioso de mim só confiava…
Como num útero materno, uma criança…
O espírito vigiava…
Esperando o mundo renascer em cores
Pra tudo fazer sentido novamente
Um mundo novo e imenso lá fora…
Que me aguardava pra ser recriado
Em todo seu esplendor, em toda sua Glória.
( 13 Outubro de 2013

London -LA e a Rota do Ártico

 

As viagens para gravações sempre foram um algo mais na rotina artística. Estar num local diferente, gerando nessas temporadas um trabalho definido, com inicio, meio e fim, é uma experiência especial, pois o trabalho vem impregnado de “ares”, de histórias como estas, impressas pra sempre no produto e nas nossas vidas…E é por isso que acabei montando um lugar pra isso, o Coaxo do Sapo…Lá no futuro, veremos se eu não tinha razão…Os discos deveriam sempre vir acompanhados de lendas. Lendas verdadeiras é que contam, contando vidas. Penso que os discos, simplesmente como “produtos” são na maior parte das vezes supérfluos. O que vale é o valor agregado. Mas voltando a viagens e peripécias, tenho muitas ainda a contar. Pois no período “maldito” dos anos 90 tive mais duas oportunidades da mesma natureza. Digo que os 90 foram “malditos” porque foram mesmo uma purgação para a nossa geração 80, com a ascensão de três novas vertentes de gosto popular, o axé, o pagode e o sertanejo. Mais uma vez contextualizo explicando que era um processo previsível de acontecer. A replicação digital, 20 vezes mais rápida que a dos vinis, traria na indústria a exigência de artistas que vendessem não dezenas, centenas de milhares, mas milhões de cópias. O gosto popular dominaria a cena, e não vou me alongar aqui, e nem qualificar nada. O Brasil não ficaria parado na geração 80, classe média urbana do eixo RJ-SP. Novas cenas entravam como players, a Bahia moderna, a Minas moderna, o Centro Oeste emergente, as periferias, as inclusões. Era tudo natural de acontecer, e a nossa geração teria que “rebolar” para competir num mercado muito maior e agressivo. Desanimado com o declínio das vacas gordas, de um longo reinado, propus para o velho Maynard, agora presidindo a Polygram ( futura Universal ) um “disco de descanso” composicional, pra guardar as idéias novas pra um momento mais favorável. Eu tinha muitas referências dos anos 60 e 70, e muitas obras-primas que eu gostava de cantar formavam um repertório pessoal , intransferível. Fazer “cover”, nem pensar, sempre fui alérgico ao “cover”…Mas me aventurei a verter algumas canções que eu adorava, com capricho, do meu jeito, mantendo ao máximo o sentido original das letras …”Morning has Broken”, de Cat Stevens, My Cherie Amour de Stevie Wonder e It´s too late , de Carole King, foram as primeiras. Maynard e Max Pierre se empolgaram logo de cara, e escreví o restante das versões, convidando meu parceiro Costa Netto pra fazer “Traces” dos Classics IV – que virou “Trilhas”, e Nelson Motta pra fazer “Alone Again”, do meu ancestralíssimo ídolo irlandês Gilbert O´Sullivan. A gravadora sugeriu também o mestre Aldir Blanc ( e eu adorei ) pra escrever a versão de “Cherish” do grupo The Association…Bem, o repertório era só caroço grande…Me lembro de ter, de propósito, excluído Elton John, por mais que insistissem em “My Song” (eu achava que este renderia um álbum à parte, talvez até duplo, triplo…) , bem como Beatles ( esses , então….sem comentários ) . E só não verti “A whiter shade of pale” do Procol Harum porque a letra original é muito difícil de sugerir qualquer sentido, ficaria péssima, além do que a minha interpretação ao órgão, modéstia à parte, é tão leal, mas fica tão boa, que guardei pra um dia mostrar para as pessoas… Bem… com esse repertório, a dupla de executivos ( Marcos e Max ) decidiu bisar a fórmula vitoriosa de Bethânia cantando Roberto – produção do querido Guto Graça Mello, arranjos e regências do maestro Graham Preskett, gravações nos estúdios CTS, que ficavam onde ? onde ? Londres. As bases seriam feitas no Brasil, então fizemos no Mosh, eu no piano Steinway, Cezinha na bateria e Pedro Ivo no baixo, uma cozinha impecável. E lá fui eu para a charmosa capital britânica. A cidade eu já conhecia desde 90, quando fui pela primeira vez me aventurar, levando uma música minha e do Nelson Motta ( “Ready for Love” ) especialmente para a cantora Lisa Stansfield – aquela do “All around the world yá yá yá” – ( que não gravou, claro, embora deveria ser mais antenada, e ter prestado mais atenção pois não era só um Guilherme Arantes, mas era um GA combinado com um Nelson Motta – mas acho que nunca ouviu falar da gente…pena…ficou só no Ya Ya Ya…). Essa música é um hit internacional de uma dupla matadora, e um dia vai acontecer. O tempo é uma ilusão.
Voltando nesse tempo, me hospedei no mesmo apartamento da outra vez, bonitinho, art nouveau com piano de cauda na sala, cedido pelo querido amigo (um pianista genial), o concertista Marcelo Bratke…em Knightsbridge, a região mais chique de London, perto do Harrod´s, Sloane Square, Belgravia, as maisonettes, a metros do Hyde Park, que lugar lindo… os bancos sóbrios de carvalho, os lagos cheios de patos gordões, a Serpentine, o Round Pond, O “Lido”, os Italian Gardens, as flores do Palácio de Kensington…uma viagem colorida, bem inglesa. Adorei de cara os pints-of-a-lager ( copões de chopp escuro Guiness ) mas eu estava de regime radical, e tinha que segurar a comida pra perder peso. ( Já me sentindo velho aos 40, me achando obeso e precisando de uma repaginada, eu corria todo dia uns 12 km no parque, me pesava na balança da “rainha”, uma moeda de meia libra antes e outra depois da corrida…Perdí, ao final da viagem, 15 quilos e voltei magéééérrimo, chique no úrtimo pra minha nova fase “européia…” tsic, tsic, manias…) Musicalmente, foi um banho esse trabalho. Graham Preskett era um cavalheiro, meio maluco, muito firme para liderar uma orquestra exigente, com as seções de cordas e madeiras do Royal Philarmonic…O estúdio CTS, do lado do velho estádio de Wembley, tinha uma sala com pé direito – juro – com uns 20 metros de altura, e refletores acústicos monstruosos, proporcionando um som já reverberado de Grand Concerto, incrível…O Spalla, Gavyn, era um rapaz novo ainda, infernal no seu violino, dominava a imensa orquestra totalmente. A afinação daquela gente, o “waving” corporal da seção de cordas, a coesão, interpretação magistral, articulação impecável, os arcos se moviam como num sonho. Eu não acreditava. Olhava para o Guto e as lágrimas desciam, eu fiquei num estado indescritível… Tenho os tapes em vídeo disso, em breve vou disponibilizar pras pessoas verem o que foi isso. Ao final das gravações de orquestra, Guto fez algumas mixagens no CTS mesmo, e eu acabei ficando em Londres os meses de maio, junho, julho, agosto, setembro e parte de outubro de 94. Ví o final do inverno, a primavera florir os parques, o verão chegar com uma canícula de Terezina, o calor ir embora, o outono pintar as árvores de bege e marron, as folhas caindo…e a grana já havia acabado há meses, fiquei durango, só comendo Lamen no China Town…( uma sopa de verduras com macarrão ). Aproveitei pra ver o Prince no Earl´s Court 11 noites, em 11 lugares diferentes na platéia, incluindo um “gargarejão” caríssimo aos pés do ídolo, de cara para uma pedaleira revestida em pele de carneiro…Era a tour “Diamonds and Pearls”…Gênio. Pra mim, não tem pra ninguém, nunca vai ter igual, e ponto. Fui também a uma roubada, com ingresso caríssimo, uma luta de box, do ídolo inglês Lennox Lewis contra Oliver McCall, no Ginásio de Wembley, perto do CTS. Comi o pão com linguiça, tomei vários “pints” pra entrar no clima do povão. A luta começou e a ovação era total “Lewis ! Lewis! ecoando no ginásio…um minuto e meio de luta. Lewis no chão. Silencio no metrô, foi a coisa mais fúnebre que eu vi na vida…Unbelievable… Nesse meio tempo, fiz a foto da capa do disco com um garoto, Richard Croft, muito simpático. Fomos a um estúdio de várias salas com teto de vidro , luz natural, e estava acontecendo uma produção com a modelo Kate Moss, amiga dele, a quem tive a honra de cumprimentar…Esse Richard Croft e a namorada, amigos do cantor Seal que é o maior boa-praça – foram meus dois únicos amigos em Londres, nessa viagem, no mais fiquei mesmo uns 4 meses sem trocar uma única palavra com nenhum ser humano. Período sabático, heim ? Mas uma “aventura” bem cara-de-pau de brasucão eu aprontei pra quebrar a rotina: fui várias vezes até os portões do Palácio de Kensington, pra ver a Princesa Diana…Ela saía religiosamente às 7:15 da manhã, levando os filhos ( William e Harry ) pra escola, e eu acordava cedo e passava por ali, nas corridas…Um dia tomei coragem e fui conversar com o guarda. Perguntei se, eu sendo um ”Elton John” brasileiro, misturado com Tom Jobim, um popstar, eu não poderia entregar um pacote de discos meus ( já existia o CD ) para a Princesa. Um pacote de CDs para o guarda, somado a 4 meses de amizade e insistência, um dia o portão se abriu, finalmente pude cumprimentar Diana. Inesquecível. Coisas que o dinheiro jamais vai comprar. Só a inocência, o sonho. Quando Max Pierre me ligou, solicitando que eu fosse para Los Angeles terminar o disco com ele e o famoso engenheiro Moog Canazio , foi um alívio, pois a minha solidão estava estarrecedora em Londres. Fiz a viagem, Londres-Los Angeles pela British Airlines, por cima do Pólo Norte, Alaska, das Montanhas Rochosas…uma visão incrível de um outro planeta que eu desconhecia. Descer em Los Angeles foi só alegria. A América ! Estava em casa de novo…Ao menos me senti num ambiente bem mais familiar….Max me hospedou no Sofitel, em Beverly Hills, fez “lockout” no famoso Westlake Audio ( onde Michael Jackson fez o Thriller ) e trouxe dois músicos complementares, o percussionista Tim Pierce e o maravilhoso guitarrista Michael Fisher, que fez um trabalho magistral. O disco ficou com outra cara, ainda muito mais bonito do que já estava… Pude conhecer Rodeo Drive, e, estando com o requintado Max, tirar a barriga da miséria em bons restaurantes ( depois de 4 meses de Lamen ) vivenciar toda uma parte glamurosa de LA, ( da primeira vez em LA, com Ronnie, a produção era mais modesta, e eu não tinha tido oportunidade de conhecer…) Só voltei pra casa em Novembro…7 meses fora de casa, pra fazer um disco, é um exagero! Quando entrei de novo em casa, me perguntei : – É aqui mesmo que eu moro ? Este é o meu lar? O meu piano ? O disco , “Classicos” não foi nem tão mal, mas não foi tão bem quanto eu esperei. Ficou, sim, como uma produção primorosa, mas era um disco de versões…enfim, valeu !
Mas eu voltaria uma vez mais para a gostosa Califórnia, no ano de 96, gravar o cd “Outras Cores”. Novamente pela Polygram, com Maynard e Max na direção, de volta à produção de Ronnie Foster, gravamos no estúdio da casa nova dele, em Conejo Valley , Thousand Oaks, já meio fora de Los Angeles…Fiquei dessa vez em Woodland Hills, no Oakwood Apartments da Topanga Canyon Boulevard. Foi uma outra temporada longa, de Março a Julho de 96, beirando o insuportável de solidão. Quando eu fui, esse disco já estava bem mais estruturado ( ainda em “Adats”) e Ronnie convidou novamente o mago Jorge Del Barrio pra escrever as cordas, Jimmy Johnson pra fazer alguns dos baixos, um outro baixista, o Stan Sargeant pra fazer duas musicas, um batera muito bom, meio latin fusion, o Curt Bisquera, trouxe um outro cubano incrível, o Luis Conte em ótimas percussões, e um guitarrista excepcional, também com forte acento latino, o Mike Thompson, cujo portfolio inclui gravações com Madonna, Cher, Celine Dion, Babyface, Phil Collins, En Vogue, Toni Braxton, entre muuuitos outros…Pois não é que esse Mike também me deu uma força danada, dizendo que eu compunha muito bem…Os passeios pela costa Norte da Califórnia foram mágicos. Descendo o Topanga Canyon me senti num desenho animado, pura Hanna Barbera. Adorei as praias, Malibu, Santa Monica, pude nadar com um mar gelado cheio de sargaços, golfinhos brincando no raso, junto das crianças… e a encantadora Santa Bárbara, com seu “píer” e suas construções em estilo espanhol…Ah, a California é linda mesmo…Nessa estada em LA, tem uma parte muito especial pra mim : fui, outra vez cara-de-pau, conhecer e ter aulas vocais com o mítico Seth Riggs, em Beverly Hills. Simplesmente o coach vocal de Michael Jackson. O maior professor de canto do planeta. Pra não ficar esnobe, nem vou citar aqui todos os astros que estudaram com Seth, um senhor muito engraçado, espirituoso, piadista. Muito caro, também. Tive aulas de 15 minutos ( era o que eu podia pagar ) três vezes por semana, durante três meses. Seth foi muito enfático pra que eu não artificializasse minha voz, com excessos de técnica. Me explicou o quanto um compositor-pianista precisa ter um timbre muito natural e pessoal, sem muito enfeite, pra poder “vender” bem as canções de sua autoria. Isso me pareceu intuitivo, sempre acreditei nisso… Seth Riggs dizia que minha voz era rica em harmônicos e com bastante “edge”, e adorava me ouvir cantar “Um dia, Um Adeus”, “Amanhã” e “Planeta Água”. Um professor muito eficiente, que me passou muita, mas muita auto-confiança. Nunca vou me esquecer disso tudo. É a minha vida.

( 4 de Outubro de 2013 )

California Dreamin´ – o sonho real

Em 87, já no segundo ano de contrato com a CBS ( futura Sony ) eu navegava em mares de almirante, voando em céus de brigadeiro com os êxitos sucessivos de 3 faixas do LP “Despertar”. Olhos Vermelhos, Cheia de Charme e Fã Numero 1 tocaram seguidamente nas rádios…Fulminantes primeiros lugares nos “charts” incomodando muito a crítica… O segundo disco pela CBS também emplacou, e eu confirmava a posição inequívoca de “hit maker” ( o mito de “Midas”) com o álbum “Calor” – “Coisas do Brasil”, “Loucas Horas” e “Mania de Possuir” também andaram bem nas rádios……Os executivos da CBS – Maynard, Condé, Roberto Augusto, e o capo-di-tutti-capi Tomas Muñoz estavam sorridentes comigo, pois eu havia correspondido razoavelmente às expectativas e investimentos nos dois discos de estréia no selo…me mostrado educado, trabalhador, disciplinado, e principalmente sortudo – a sorte , o pé-quente, a pata-de-coelho são ingredientes fundamentais… ! No fundo mesmo, o segredo era não parar de compor, pra não deixar a peteca cair….Não bastava fazer shows,se vender enlouquecidamente pra aproveitar a maré do sucesso, era necessário ir olhando lá na frente, sempre com o foco no ano seguinte…Eu já era experiente, veterano. Estava numa grande escuderia, e o carro, veloz, precisava de uma condução de fórmula 1. Piloto bom sempre olha 100, 200 500 metros à frente… Se parar pra reparar no presente ou pensar nos segundos passados, já era… Nossa geração era muito veloz. Havia se preparado, e o nosso tempo havia chegado. Por um lado, vivíamos o prazer do sucesso popular, mas, por outro, a desconfiança nas rodinhas “pensantes”, mais intelectualóides, desconfiadas do esquema agressivo das “majors” da época… É bem verdade que as Fms eram muito parecidas, quase todas – senão todas – eram “pop rock”, uma hegemonia consagradora da geração pop 80 – Era virar o “dial”, à 18:55 horas, e constatar que a última musica antes da Hora do Brasil, em todas as FMs, era a mesma…Muitas vezes, minha… o Brasil redescobria a crescente liberdade criativa, juvenil, no declínio da ditadura e vivia uma “bolha de classe-média” com o Plano Cruzado de Sarney e Dilson Funaro..A moda nacional eram os artistas de classe-média Zona Sul,como Lulu, Marina, Barão, Lobão, Engenheiros, Paralamas, Kid Abelha, Leo Jaime, Brylho, RPM, RadioTaxi, Titãs, Ira!, Metrô, Ritchie, Dalto, Kiko Zambianchi, Ultraje, Plebe Rude, Inimigos do Rei, e muitos outros ( qualquer esquecimento aqui me desculpem, era tanta gente…Rita, Roupa Nova e 14 Bis eram mais antigos, mas se mantinham, Capital, Legião, e outros apareceriam um pouco mais tarde). Nosso templo-sagrado era o Chacrinha….uma atração semanal democrática, variada, com todos os estilos misturados numa sequência alucinada, herança da era do rádio… Com a chegada de poderosos sintetizadores polifônicos, dos digitais, das baterias eletrônicas ( entre estas a japonesa Roland TR, a americana LinnDrum e a inglesa Simmons), a implementação das conexões midi e dos primeiros seqüenciadores, dos primeiros Samplers ( Emulator, Emax, Akai S1000 ) o pop-rock no mundo todo se tornava um labirinto perigoso de sonoridades bizarras, e ia se tornando mais e mais mecânico…De minha parte, eu estava bastante defasado, era difícil acompanhar o tsunami digital…Eu só tinha um Sequencer Plus da Voyetra, rodando num IBM PC ( 16 Mb de memória…kkk…) ainda em rudimentar linguagem C ( Compiller )…um DX7, o velho Voyetra analógico híbrido e uma Linn Drum, ( sem midi, dependendo de um Garfield MiniDoc para sincronizar ) Com isso eu havia feito uns 8 hits. Alguns produtores de vanguarda já apareciam com os Performers ( Motu ) ou Steinberg /embriões de Cubase -em Macs classics de 30 khz…kkkkkk…Isso era a hightech da época… Gravações pra valer ainda eram em Studers/Otaris/Ampex de 2 polegadas, e a gente se virava com 24 canais, raramente sincando 2 maquinas pra 48 pistas…Estúdios caríssimos…produções trabalhosas.
Os executivos sugeriram naquele 1987 a Califórnia para a próxima produção, onde Ronnie Foster poderia contar com seu arsenal eletrônico e seus contatos com músicos renomados para “sessions” mais ambiciosas…Elá fui eu, com meus midi files de pré produção, várias canções e letras prontas, rumo à adorável Los Angeles, uma cidade incrivelmente extensa, uma área de desertos, canyons e praias de águas geladas no Pacífico…Meu parceiro Nelson Motta ficou com a incumbência de entregar uma letra – que só entregou via fax, aos 45 minutos do segundo tempo – “Marina no Ar”. Na minha chegada, Ronnie Foster me esperava no aeroporto, veio me buscar com sua BMW Serie 5…Ele ainda morava em Glendale, onde tinha um estudiozinho numa garagem. Um batalhador, muito disciplinado, tocando um absurdo de piano, órgão e sintetizadores, Ronnie se tornou um amigo chegado e muito engraçado – só comia “fried chicken” , acho que pensando em manter a forma…ilusão…Mas a gente se identificou por causa da música, Ronnie me respeitava muito como compositor, meu estilo baladista, internacional, com toques de bossa e brasilidade, que eles tanto adoram por lá. Fiquei hospedado alguns meses num flat – Oakwood Apartments-, atrás daquela colina onde fica o letreiro HOLLYWOOD tão famoso, próximo aos estúdios Universal, na divisa de Hollywood com Burbank. Me lembro com carinho e saudade do “Reservoir”, uma represa debruçada sobre Beverly Hills e Hollywood, bem no alto das montanhas…Um percurso de mais de 10 km em torno da represa, todo arborizado, com mansões milionárias em volta…Que privilégio correr e caminhar todos os dias ali ! E que solidão, também…eu nunca havia passado um tempo tão grande fora de casa, mas a Califórnia, no meu Mustang branco de locadora, era tudo de bom…O supermercado Vons, a loja Frys de eletrônicos, e..pasmem…os pés de erva-doce na beira das freeways, as sementes que eu colhia e fazia chá…coisas que só conheci na ensolarada e sorridente LA…
As sessões com Ronnie eram muito produtivas. Ele alugou um estúdio em Lankershim Boulevard, o “Ameraycan”, do Ray Parker Jr ( aquele que ficou milionário com o tema de Ghostbusters… ) , muito bom, e lá havia um piano acústico brilhante, como eu gostava, com o qual gravei “Um dia um adeus” tocando e cantando ao mesmo tempo ( Ronnie me ensinou que dessa forma piano e voz são “connected”, ou seja, ficam imbatíveis, a canção ganha outra vida – mas é preciso que o intérprete seja competente pra isso ) e essa foi uma gravação histórica, ainda mais com o arranjo magistral de cordas de Jorge Del Barrio. Tenho uma dívida eterna para com esse maestro, tão boa gente, uma pessoa doce, inspirada. O que ele escreveu para o meu disco, nunca vou esquecer. E ele me reverenciou, muito…A gente chorava no estúdio, e essa gravação fez Maynard chorar também, no telefone…Uma manhã cheguei no estúdio e tinha uma galera se preparando para uma “big session”, e não acreditei…eu iria encarar, simplesmente, Vinnie Colaiuta na bateria, muito gente fina, alto astral, me pedindo as partes e sugestões de levadas, Jimmy Johnson, no baixo, elogiando as canções, Bruce Gaitsch, nas guitarras e violões, dedilhando e saboreando minhas harmonias, o famosérrimo Alex Acuña montando seu set de percussão, e alguns dias depois, Larry Williams com seu sax e teclados…Não preciso dizer que me emociono ao lembrar que fizemos muito mais do que sucesso. Qualidade para sempre. Me lembro que em outra sala estavam rolando outras produções, com Ray Parker JR , com o produtor Ollie Brown, e o estúdio tinha um frenesi de celebridades, carrões, muito glamour de roupas e óculos, gente bonita, ensolarada e gentil, não sei se é um cenário, se é falso, mas aprendi que a Califórnia é um estado de espírito… Nessa temporada fui, com Ronnie, assistir um incrível show do David Samborn, no Hollywood Bowl, com direito a backstage/autografos/buffet no final…Ronnie foi chamado no palco, era íntimo daquela “gig”, daquela cena de LA…E dias depois houve um churrasco também, na casa de Bruce Gaitsch, em que todos foram, e todos me tratavam como uma personalidade – já que Coisas do Brasil tocava direto na Califórnia – e me elogiavam abertamente como compositor. Fiquei muito marcado por essa temporada imperdível da minha vida, muito pelo lado humano que encontrei. Tive até direito a um mini-terremoto, um tremor nível 4, quando acordei com um bate-bate dos quadros nas paredes, parecia um trem passando…Saí para o estacionamento, e todos os moradores estavam fora dos apartamentos…Fiquei sabendo que isso era normal…Na volta para o Brasil, outra vez emplacamos com “Ouro”, tema da novela Sassaricando, e com “Um dia um adeus” na novela das 8, Mandala. Um outro ponto positivo desse ciclo foi a gravação de “Imagens”, uma música precocemente ambientalista que eu havia composto especialmente como tema do genial e íntegro Fernando Gabeira para a Prefeitura do Rio – na fundação do PV. Um vídeo, para o Fantástico, em Poconé, no Pantanal, foi gravado e dirigido por Paulo Trevisan, e retratava a destruição da natureza pelo garimpo predatório. Um luxo !

( 4 de Outubro de 2013 )