Gilbert

No esplendor dos 20 anos, um gênio em ação.
Esse garoto do vídeo é o maior inspirador de toda a minha carreira musical.
Vejam que incrível ele é.
O talento, a voz, as harmonias, as letras inspiradíssimas, o “style” de Dublin… 
Ah !… A Irlanda … além de tudo é Celta, como a minha adorada Galícia …
A Irlanda, com seus poetas, seus músicos, foi lá da Irlanda que veio tanta coisa em mim…nem sei porque…deve ser algo ancestral.
Ao ouvir esta música,até hoje, não tem pra ninguém.

GILBERT O´SULLIVAN , the best !

Tudo o que eu mais queria ser !!!
Quem quiser realmente entender quem sou eu, adentrar no
” Meu Mundo” e decifrar de onde eu tirei muitas inspirações, precisa conhecer esse grande artista, muito além dos maiores “hits” que ele compôs e cantou com tanta , mas tanta personalidade.
E, como eu, “still alive-and-kicking”…

Eis a minha maior influência na vida.

 

https://www.youtube.com/watch?v=jVaozxz1hz4

Manuscritos

Um dia, numa arrumação do estúdio, encontrei uma caixa com as fitas k7 onde eu alinhavava os “demos” de inúmeras fases, e uma sacola com vários cadernos antigos, muitos com espiral enferrujado, pastas com papéis soltos amarelados pelo tempo, versos datilografados com garranchos de correções… Nos cadernos, sucessivas versões de letras ainda em fase de criação…
Por coincidência (ou não…) por esses mesmos dias ganhei de uma fã um livro contendo as letras dos Beatles, em fac-símiles dos manuscritos originais, e contando como é que foram criadas as muitas obras-primas dos fab-four… Um puro deleite de se ler!
Ah! A memória é tudo …especialmente quando se tem lendas pra contar…Então essa minha seção-museu também poderia ser um tesouro …
Resolví, então, agregar esse meu material nas comemorações da minha carreira de 40 anos. Pois aqui está.
Nesse conjunto, o motivo das lacunas de alguns períodos é que se perderam, por exemplo, os cadernos do “A Cara e A Coragem”, e vários outros, com muitas mudanças de casa e de modo de vida… Outro motivo é que, uma vez gravadas em disco, as letras e fitas-demo não tinham porque serem guardadas. E eu não sabia que a carreira iria durar o que durou, e nem exatamente o que eu iria significar, com o tempo…O fato é que esses dois pacotes, o de fitas-demo em cassettes e o de cadernos e papeladas soltas de letras, ficaram guardados por puro acaso. Houve vários períodos em que eu, acometido por raivas e revoltas, joguei muita coisa fora, são os meus “incêndios de Alexandrias”…não sei como este material sobreviveu…Aliás, pensando bem, não sei como a gente sobrevive, porque uma coisa inerente à memória, é ela ser apagada, mais dia, menos dia…
Hoje, eu não tenho como “fakear” e fazer de conta que um papel, ou um “demo”, é de uma época em questão… Seria feio da minha parte “inventar rascunhos originais” – a beleza desse material é a “minha descoberta” deles, 40 anos depois… Juro que eu relutei por muito tempo, em abrir esses baús, porque a gente fica mais e mais envolvido com o presente e com o futuro, e a revisitação de “outras vidas” muitas vezes é dolorosa, há um transporte no tempo e nem tudo são flores lá atrás – apesar do passado estar confortavelmente ( e situado seletivamente ) numa zona de prazer e “segurança”. Mas ao olhar minha letra e ouvir minha voz, algo me causa um estranhamento, não sei o que é.
Parece que foi outra pessoa que passou por ali…
O fato é que muitas estátuas de nosso passado estão mesmo sem braço, sem cabeça, mutiladas pela ignorância do tempo.
Também houve um período, com a entrada dos PCs e Macs nas nossas vidas , que a gente passou a fazer tudo no computador…e esse efeito é devastador, porque só permanecem os produtos finais, em sucessivos “salvamentos” que soterram o caminho : resta apenas o “produto”.
Mas eu redescobrí, depois de 2007, o prazer de fazer cadernos, a princípio esparsos, e já em 2013 voltam a ser sistemáticos, com a feitura do Condição Humana.
Hoje eu sei profundamente que o bom mesmo não é a paisagem da chegada, mas a experiência do caminho.

Faísca Avançada

Quando a vaidade transforma figuras notáveis em patéticas…

Eu era uma criança alegre, gostava de pescar, de ler Julio Verne, Monteiro Lobato e Machado de Assis. Brincava de correr em carrinhos de rolimã, esfolando mãos, braços, joelhos, escangalhando tênis no cimento caótico das calçadas das Alamedas Campinas, Jaú e Itú… Tocava piano toscamente, mas com prazer, me recusando a me alinhar aos ditames dos Czernys , dos Hannons torturantes , e era considerado um estudante de quinta categoria pelos esforçados professores que Papai contratou , os adoráveis Gorga e Hélio… Papai achava que eu tinha que ser algo mais… sonhava pra mim com os salões da Europa em concertos de Tchaikovsky , Rimsky-Korsakov e quejandos…que eu admirava, de coração, mas não conseguia me enxergar naquilo… A minha onda era outra… Eu me amarrava na simplicidade piramidal de Bach, e os que eu gostava de fato, Chopin, Beethoven, e mais tarde, Debussy e Ravel, Papai não era muito chegado não… Mesmo assim eu encontrava, ludicamente, na música, uma alegria, um frescor que até hoje não consigo descrever…uma identificação profunda, que não tinha nada a ver com os rigores acadêmicos obrigatórios.

Na música, é muito comum haver uma completa desconfiança com as prodigalidades de crianças e adolescentes, quando o jovem demonstra desembaraço e criatividade, logo os “pedagogos” tratam de “cortar as asinhas”, e os exemplos de crianças como o pequeno Mozart, que Papai citava constantemente, que “dormia em baixo do piano”, que “fazia concertos aos 5 anos de idade”, etc… o geniozinho tendo apanhado diariamente para se coadunar com a teoria musical…eu achava tudo isso uma palhaçada e nunca dei ouvidos, literalmente eu pouco estava me lixando para a infância de Mozart, para a tuberculose de Beethoven, para os dramas existenciais de Chopin…

Eu preferia meus carrinhos de rolimã, e escutava os discos da gravadora Elenco, com Baden, Tamba Trio, Nara Leão, Edu Lobo, com a mesma pouca-cerimônia de quando colocava Jorge Ben, as Canções Praieiras do Caymmi, Luiz Gonzaga, ou mesmo a magistral caixa de interpretações da Wanda Landowska ao cravo, para repertório barroco ( Haendel, Couperin, Rameau, Scarlatti ) . Pra mim, música era uma alegria só. O que me atraía mesmo eram os sucessos no Rádio, Trem das Onze, Ray Charles com “I Can´t stop Lovin you”… e as feéricas tardes de domingo com o Jovem Guarda , assim como o filme A Hard Days Night.

A música que me interessava tinha que ser fácil de fazer e fácil de gostar. Ponto final : algum problema nisso ? Em ver a música como uma arte deliciosa, de prazer , e não um flagelo de torturas e submissão. Isso era coisa relacionada aos rigores da erudição.

Certa vez, o Dr Gelson me levou para o meu caso ser “analisado” por um casal de “entendedores de música erudita”, e, de pronto, fui classificado como um exemplar clássico de “Faísca Avançada”, que é aquele jovem que, por causa do talento criativo, é um problema pedagógico. Eu achei isso uma piada…

Quer dizer que existia essa tipificação doutrinária nos meios acadêmicos…Com o passar dos anos, fui aprendendo que é assim mesmo, que o mundo é repleto de acadêmicos catiçadores : qualquer pessoa que apresenta qualquer tipo de “vaidade criativa” deve logo ser enquadrado pelos verdadeiros “connaisseurs” e devidamente colocado em seu reles lugarzinho dos zé-ninguéns…

Mais tarde, já no tempo da Faculdade e pós-tropicalismo, eu comecei a reparar que tudo era uma questão de “griffe” , surgiriam os louváveis “Discípulos de Smetak”…e já nos pedantes anos 90 de Yuppies e Hipsters , em plenos tempos de Drum N´Bass revisionista da Bossa, os veneráveis “Discípulos de Koellreutter”. Tudo conversa de quem ouviu-dizer acerca da erudição , tudo lixo, tudo gancho de marketing. Smetak e Koellreutter são figuras adoráveis, e concordariam comigo em gênero, número e grau, e eu tenho, sim, a (boa) inveja de quem pôde conviver com eles. Os dois iriam adorar ensinar muito pra mim, trabalhar com esta “Faísca Avançada”… Os maiores citadores-de-nomes-referência-do-meio-acadêmico só ouviram falar dos mestres… E os trouxas compram esse pacote-enganação… Daí tamanho desdém com quem usufrui do delicioso prazer da música, onde o maior sucesso é entrar na vida das pessoas e banhar os amores com os sons de uma criação espontânea, fácil. Ninguém precisa desses empolamentos pretensiosos dos meios acadêmicos, feitos de pura arrogância e vaidade. E isso se aplica a vários outros gêneros de atividades humanas. Pra quê tanta Pós, tanto MBA , tanta certificação, se o mundo continua a mesma titica de sempre ?

Hoje, eu vejo tudo isso de forma diferente, com perdão e compaixão, porque são expressões da vaidade. O talento verdadeiro tem, também, sua dose de vaidade embutida…Mas a vaidade dos desprovidos de talento também existe, e se direciona no sentido de diminuir a facilidade alheia em se expressar, criando zonas de excelência, manuais de pré-requisitos e ritos de iniciação.

Um dos problemas que eu enfrentei com os professores foi a moda da Bossa-Nova, refinada, sim, bela e eterna, sempre, mas onde se alojaram inúmeros exemplares de uma cultura musicalmente esnobe.  Meus professores de piano, claro, tinham na Bossa-Nova uma referência de sucesso, onde a técnica virtuosística passou a dominar, e onde o músico com maior formação acadêmica era o artista mais valorizado. Começou a ficar chatinho, pro meu gosto, até porque o mundo era invadido por uma onda de simplicidade genial, a Beatlemania, fazendo dez vezes mais sucesso, numa tsunami globalizada… Houve um período em que a simplicidade da Bossa foi agregando virtuosismos mais e mais empolados e, metidíssimos, se tornaram figuras insuportáveis em termos de cagação-de-regras.  A Bossa já não apresentava a mesma leveza genial do início do movimento, onde a simplicidade se aliava à qualidade criativa, surpreendendo o mundo. Nessa segunda fase da Bossa, por um lado,  a MPB já agregava conteúdos social-nacionalistas, folclorísticos, e surge o discurso de resistência política, em face do momento histórico no Brasil.  Fica, então, a música popular refém de duas desastradas correntes de exigências. Nas letras, nacionalismo socialista. Nas melodias e harmonias, a praga da erudição. É quando eclode o Tropicalismo, resgatando a alegria de fazer música e a liberdade criativa explode, agregando as lições da Jovem Guarda. Penso mesmo que a Jovem Guarda e o Tropicalismo são uma coisa só – mas isso é opinião pessoal.

Uma geração inteira de craques na música eruditóide ficava pra trás. Fazer o quê ?

Outro dia, eu estava vendo uma filmagem, com um ícone dessa nobre estirpe, rodeado de jovens músicos da Geração Baixo Augusta babando ovo, e fiquei só observando os efeitos da vaidade, no discurso, no “rasteiro filosofes”, e me lembrei de quantas vezes fui esnobado por bossa-novistas mais rancorosos… Não foi uma vez só. Foi desde a infância.

Sorte minha foi a simplicidade e a generosidade do grande Tom Jobim, pra me dar uma força, com suas palavras de incentivo. Sorte minha foi ter ouvido do próprio João Gilberto as palavras que eu ouví. Tem figuras da Bossa-Nova que não precisam de vaidade nenhuma.

Uma vez, bem mais recentemente, em Nova Iorque, eu estava lançando meu instrumental de piano, distribuído pela Sony, mas 100% independente, com um concerto no Steinway Hall, onde eu gastei, do meu bolso, 25000 dólares, num esforço descomunal, uma produção e execução completamente solitária, contra tudo e contra todos… Tive até que vender meu estudiozinho no Itaim pra pagar essa aventura…  E esse mesmo “ícone da nobre estirpe” da Bossa Nova estava fazendo um show coletivo com mais dois outros “ícones da nobre estirpe”, (exemplares clássicos) e eu caí na besteira de ir lá assistir ao show e depois ir ao camarim, presenteá-los com meu CD instrumental, com o maior orgulho e simplicidade, com a maior pureza de fã, e ouvi , pasmo, um comentário de que a “Sony” estaria me proporcionando tudo aquilo, isso dito com um certo desdém…”Olha só, quando os caras querem, o que eles são capazes de fazer…”  Só faltava emendar “para um mequetrefe como você, Faísca Avançada…”

Mas só que aquele disco era uma vitória pessoal, solitária, quixotesca, sem a menor participação de ninguém, e a observação ficou sem sentido, no vazio. A maioria dos “eruditódes” não sustenta o discurso e se perde no caminho, quando se mete a ter muito “senso crítico” sobre o mundo.  Pois é…A vaidade de uma suposta “erudição” se mostra, em todo seu esplendor de rancores, falando demais, e nada como o tempo pra depurar.  Hoje, eu acho tudo muito ridículo.

Fico então na maior atenção com a vaidade…

Às vezes o mundo diz que a gente é uma bosta – na maioria das vezes.

Outras vezes – raras -o mundo diz que a gente é o máximo.

É bom tomarmos cuidado com ambas. Não acreditar em nada que não é dito com o coração.

 

Engendrando na calada

Às vezes eu mesmo me assusto com a “desligada” geral que promoví recentemente…Mas já tô dando as caras de novo…É que estou com um trabalho novo na prancheta, e sem tempo pra compartilhar migalhas ou fragmentos de idéias… Tudo está indo para o conteúdo… que vem aí…espero, com caldo substancioso de presente pro mundo!

Preciso urgentemente desovar uma nova “coleção”…Que cumpra minha função de trazer novidades pra dentro das vidas das pessoas.. Que faça cantar, de fato, menos blá blá blá … o “discurso sobre a realidade crua” está cansado e inútil !  O mundo precisa de inspirações, sonho, delírio, romance, tudo que se consubstancia naquilo que sei fazer de melhor – se é que sirvo pra acrescentar alguma coisa… isso é que eu gostaria de exercer como função social e política : fazer cantar. Sem isso, todo raciocínio “articulado”, “antenado”, “inteligente”, vai tudo por água abaixo !!!

Tomara que dê certo ! Desta vez, estou profundamente ocupado em me perguntar, em me responder, afinal, o que é que as pessoas gostariam de ouvir…

E isso dá trabalho…

 

Computador, Gravador cassette e Torradeira : eu sou mais os Novos Baianos !

ProTools e MIDI : uma novela chata e sem final feliz !

Estou fazendo repertório novo, então é aquela luta de esgrimar com acordes, intros, versos, os velhos caderninhos de sempre…

Mas bate uma saudade danada da estrutura antiga, analógica: gravadores, fitas cassette, piano, e principalmente gente, músicos, produtores, técnicos, staff de gravadora, reunião de repertório, tudo isso é passado… Hoje tudo desembocou nos processadores, memórias RAM, HDs, pendrives, e os programas de informática são a nossa única companhia leal  ao longo da árdua jornada de transformar sonhos imateriais em compartilhamento humano … Como isso é fascinante, é certeiro, mas ao mesmo tempo precaríssimo !

Vivemos dependentes de computadores pra tudo. Estão por toda parte, e o dia em que o Sol decidir radicalizar o efeito Carrington estaremos literalmente ferrados, num suave Armageddon  : eis o Apocalipse mais provável, em toda sua majestosa realidade : somos extremamente vulneráveis, mas nos achamos os Reis da Cocada Preta…      ( https://pt.wikipedia.org/wiki/Tempestade_solar_de_1859)

Hoje vou transcrever as agruras desse caminho, quando construímos um majestoso castelo de cartas empilhando premissas duvidosas que nos empurram literalmente para uma areia movediça…Mais dia, menos dia, as pessoas “travam” com uma atualização indesejada, um vírus qualquer, um “bug” de sistema, uma tela azul da morte, e a vida para de fluir. Tudo vira um inferno.

Ora direis…computadores… Os Macs são espertos, mas a indústria é traiçoeiramente cara e implacável… Se formos contabilizar, inúmeras casas, sítios, apartamentos, carros, viagens, foram trocados por essas geringonças que, mais dia, menos dia, se tornam antediluvianas, vestígios remanescentes de uma saga,  dessa Epopéia, que tem sido uma aventura sem fim.. Lá no longínquo ano de 82 eu alugava o primeiro Apple, e fazia um curso de Basic…Em 83 eu comprava um IBM PC , acho que era um 086, pra rodar o paleozóico Sequencer Plus da Voyetra ( atual Turtle Beach ). Foi a era MIdi, a comunicação dos computadores com os teclados eletrônicos. Com isso, conseguíamos ritmos, contra-baixos e pré-produções SEM DEPENDER DE PESSOAS…Eis a chave dessa Era maluca : a autonomia , não depender de mais ninguém pra fazer as coisas. O escritor não depender de diagramadores, linotipistas, das fábricas de livros e editores, o fotógrafo não depender da revelação, dos caríssimos laboratórios , o videomaker não depender mais das ilhas de edição, mesas de switch, gravadores de U-Matic, Betacam, tudo a um custo proibitivo… e nas mãos das empresas de comunicação… Mas demorou um pouco para o músico não depender mais dos estúdios com pré amplificadores e mesas caríssimos, os gravadores de fitas Ampex, os MCIs, os Studer, tudo de valor estratosférico, nas mãos dos poderosos barões do Disco, com toda sua pompa e circunstância… Essa revolução pegou todo mundo. Os computadores a partir daí impactaram todas as atividades, médicas, odontológicas, na arquitetura e engenharia, ( imaginem o Autocad a revolução que fez …) nas artes plásticas, no design, na propaganda, na advocacia, na logística, Início de uma miragem, um grande delírio…Afora uma quantidade inumerável de 286s, 386s, 486s, Intel Cores, de placas de áudio, placas de USB 2 , placas de Firewire, todos quebrando implacavelmente um dia, chegamos gloriosamente aos I3, I5, I7,  num caminho inacreditável de Windows 3.1, Windows 95, Windows 98, XP, Vista, Windows 7, Windows 8, caraca, esses caras ficaram quaquilionários não foi à toa… Como os Apple são um capítulo à parte, tenho um verdadeiro museu vivo, com vários Macs de várias gerações, ( e todos funcionando )… desde os Motorolas 040 Mhz…CI, Quadra, ainda com arquitetura NuBus, rodavam com placas de áudio e vídeo caríssimas na época… ( os velhos Sound Tools  da Digidesign e os Radius VideoVision ) … O programa mais importante dessa era dos anos 90 eram o Digital Performer da Mark of the Unicorn… Depois veio um Centris, que já trazia simultaneamente Nubus e PCI… Ah ! a chegada do PCI … Daí pra frente, é um disparate : chegaram à turma um G4, um G5, ambos Motorolas – os famosos Power PCs, e depois ainda viriam o MacPro, o IMac, o Mac Mini, o MacBookPro, e isso promete não parar mais.

Mas o que eu quero contar aqui é que eu montei uma estruturazinha pequena em casa, com um PC ( Windows 8.1 ) um piano Nord , e um microfone, pra fazer musica…Comprei recentemente uma mesinha Yamaha MG10XU, com USB, que me prometia um paraíso em casa : um mixer para voz e teclados, que ainda é interface de áudio, 192 KHz…Ao ligar, tive que baixar o driver Steinberg ( o aparelho é concebido com o Cubase como DAW …) Tudo parecia muito conveniente, mas logo apareceram os poréns… O driver simplesmente é errático, e não se comunica bem com o ProTools, dando “interrupts” de CPU a toda hora. Precisa ficar sempre checando se está em 44 ou 48 Khz, toda hora abre musica fora do tom.

A mesinha lamentavelmente não tem MIDI , uma moda nova dos fabricantes de interfaces : você tem que comprar um cabo midi separado , e eu comprei o dispendioso, excelente, UM-ONE MK2 da Roland…Que moda é essa agora ? Interface sem midi porque ? A Universal Audio também me aprontou essa surpresa lá no estúdio, quando montei um servidor só pra rodar a Vienna Collection…Voce chega em casa, desempacota sua nova interface, louco pra experimentar, e ela não tem MIDI… simplesmente não toca nada !

Só que a combinação nefasta do Windows com Protools também não gosta muito dessa interface, então não manda MIDI nenhum para fora… O MIDI só funciona para entrar a informação, não funciona pra sair , porque teclados com MIDI são coisa do passado… Tentei de tudo , todas as dicas na internet foram tentadas, TODAS falharam. Uma joça. Ontem, domingo, eu perdí meu dia por causa dessa bagaça. Quando o computador cisma de não funcionar, não tem acerto : a vida para, tudo para, mexe daqui, mexe dali, daqui a pouco não funciona mais o que funcionava … Só faltava a dica definitiva, mais comum, na Internet : formatar o HD e reinstalar o Windows , tudo da estaca zero… Mas e os meus plug-ins que têm número limitado de autorizações ??? Como é que fica ?  Fui então voltando pra trás … Tive que desinstalar completamente os drivers Steinberg e Roland, desinstalar completamente o chato do ProTools , instalar uma velha inetrface M-Track ( que tem MIDI  embutido e o PTools gosta dela porque é da “mesma família”) e reinstalar solenemente o ProTools em cima de uma plataforma estável de áudio e midi. Funcionou ? Sim, funcionou. Funcionou muito mais pra bater uma saudade danada do velho gravador National , da velha fita TDK, do velho caderno de letras : saudade dos anos 60, 70, 80 …O computador que virou Rei do Mundo na década de 90 , década “fake” de muitas mentiras , década da Morte das Utopias, é apenas uma máquina de escrever metida a besta. Quando não serve nem pra escrever nada , é como um liquidificador que não é capaz de bater uma vitamina, uma torradeira que não torra nada, só serve pra torrar a paciência da gente.

Perdí meu domingo. Márcia me viu naquele estado de decomposição moral que acomete todo mundo quando o computador não quer colaborar. Ainda bem que no sábado fomos ver os Novos Baianos na Concha. Isso sim é que é programa bom pro final de semana !

Tempo Tirano : “AQUI, Ó !!!”

Ano Novo… Pro ano que vem, mais uma vez fica uma porção de pequenos detalhes da vida, como finalmente abrir aquela partitura de Debussy, sentar ao piano e poder voltar a uma dimensão atemporal, que sempre ficou pra depois… como…abrir aquelas sonatas de Scarlatti e mergulhar no cravo, sem me lembrar mais de nenhuma modernidade … como… finalmente alinhar aquele telescópio guardado no depósito de inutilidades, e acompanhar um Jupiter, uma lua que fosse, gigantesca na lente, impossível de perder de foco…e ao longo de uma noite de céu estrelado, sem a dor na coluna pra incomodar, sem as muriçocas e borrachudos usuais, …encontrar Saturno…como… finalmente terminar aquele texto que nasceu inspirado mas sucumbiu ao cotidiano esquecido num rascunho no fundo da bolsa… terminar aquelas canções eternamente inacabadas… como… voltar a ficar na oficina, trabalhando com madeira, com linhaças e lacas, remontar aquele gravador cassette que está desmontado na bancada … como… recuperar aquele computador 386, pra rodar aqueles programas primitivos em DOS, que não existem mais… como… voltar a ligar aquele Mario no Nintendinho da sala, e ficar, como eu ficava nos anos 80, perdendo tempo tão precioso… como… tirar uma tarde de bobeira pra ficar perambulando pela cidade, só vendo coisas e tendo idéias, nada de prático ou mais urgente do que simplesmente viver…
O ano de 2016, que ora se vai, tentou ser cruel comigo, mas foi fragorosamente derrotado. Pudemos passar o Ano Novo revisitando a Espanha, tomando Cava na Praça do Sol… Pude fazer um monte de cirurgias de manutenção… Pude casar com Marcia, meu amorzinho, numa festa pequena, mas chiquérrima de cores, sabores e humores tão delicados… Pudemos arrumar o ninho… Pude ver minha filha mais nova andando de bicicleta em Celebration, Florida, de cara pro seu futuro, e hoje, mais do que nunca, sem medo de nada e nem de ninguém…é uma mulher.
Pude dizer pra cada um dos filhos, mesmo aos mais distantes, sobre o meu amor e lealdade, não perdi oportunidade de manifestar meu amor, fazer cafuné nos netos, nos gatos, pude me despedir dignamente da cachorrinha que partiu, e em matéria de amor, fui privilegiado por não deixar nada pendente em tempo algum, nem no passado e nem no futuro. Pude, neste ano, aproveitar o tempo de balanço-geral e fazer milhões de pazes com várias personalidades, reatar sinapses desmanchadas, reforçar amizades e enterrar velhas implicâncias. Pude terminar de contar em vídeo as minhas Histórias de 40 anos de carreira, desovar isso no implacável mundão tresloucado, junto com minha caixa de Obras Completas, com libretinho detalhado com curiosidades impecáveis…Não é pouco, não : aqui, ó, pra você, Tempo Rei, Tempo Tirano, agora ninguém me impede mais de amarrar esse Pacotão… Pude tocar no Municipal do Rio, lotado-até-a-tampa pra me ver ,sozinho com um piano no palco…Pudemos fazer shows memoráveis, como em São Paulo, em BH, em Brasília com a Filarmônica, tudo muito inesquecível… Pude ser tão bem recebido em Cadernos de Cultura, em rádios e na televisão… Ainda, no finzinho do ano, pude trazer minha mãe pra Bahia, andar na praia com ela, levar pra tomar sorvete na Ribeira, visitar o Bonfim, passear no Shopping, comer acarajé, inutilizando “dias úteis” inteiros, dias “de semana”…só pra ela provar o sorvete de Coco Verde, Banana Caramelada, Amendoim, Bacuri, Cajá, Tapioca.
Prometo que, em 2017, aliás nos anos vindouros -todos- esse Tempo Tirano será encarado como um Tempo Brincalhão, e vou realizar o restante de todas as “pequenas inutilidades” absolutamente inadiáveis que o cotidiano insiste em deixar “pra depois”.
Aqui, ó !!!!

Essencia Barroca

Sou um apaixonado pela modernidade, mas não sinto necessidade imperiosa de ser moderno.

Quando eu olho pra onde meu coração olha, também me vejo lá no século XVII.

Isso é ser antigo ? Obsoleto ?  É ser aristocrático ? Retrógrado ?

Pertencer a um mundo mergulhado na barbárie é coisa de qual época ?

Perguntas que aprendí a fazer. Quem sou eu ?

Estes são os responsáveis : Papai,  François Couperin  e Wanda Landowska.

 

garantesepai250px-francois_couperin_2couperin-francois-02snap5land

Sofrimento,drama e morte são supérfluos

Hoje começa a ser exibida a série do Documentário sobre o “making of” da minha vida. O “aspecto pessoal” mais prosaico, eu deixo, em boa parte, para os eventuais biógrafos terem  o que acrescentar e ganharem o seu pão … se é que sou personagem para tanto. Com uma vida muito “normal”, e muito parcimoniosa em escândalos e dramas pessoais, penso que sou pouco fértil pra se ganhar dinheiro com isso. Com perdão para a minha ousadia e por me mostrar presunçoso, sem querer me comparar, J.S.Bach era assim, parecido comigo. Ninguém conta fofocas sobre Bach. Então esse é meu Mestre, esse cara é que é F…%&*#$% !!

Minha vida é a música, desde pequeno eu me dedico a essa arte etérea, difusa, imaterial, e que embora matemática, consegue transcender ao divino de forma tão especial.  Os sons, em sua frequência aural, carregam um componente emocional que pode excitar regiões incógnitas da percepção da mente. É um mistério. Ou um segredo.

Em direção contrária, vamos à parte que não é segredo algum… Pra mim seria muito mais prático fazer (mais um ) DVD de grandes sucessos, ao vivo, com participações especiais, cordas, uma banda fazendo aquele “sonzão” em 5.1 surround, com microfones na plateia, câmeras voadoras em gruas, iluminação feérica com canhões, varilights e intelabeams em fachos lampejantes, telões, cenário luxuoso com grife de artista plástico famoso, celebridades na plateia fazendo consagradora “claque”, o público cantando em côro os refrões dos mais de 30 “grandes sucessos”. Mas com isso tudo seria um DVD igualzinho a todos, já que, pra mim, todos os DVDs comemorativos são absolutamente iguais, ressalva feita ao conteúdo musical e poético, que é o único diferencial.

Um DVD comemorativo é, a grosso modo, 80% sensorial, 50% visual, 20% sonoro, e apenas 20% de “conteúdo”. Quando a gente vai comer uma pizza, ao barzinho beber um chope, tem sempre um DVD passando esses “momentos especiais” das Grandes Carreiras dos Grandes Ídolos ( ou dos wannabes….).

Eu não queria isso pros meus 40 anos: orégano ou manjericão ? Claro ou escuro ?  Quem é que presta atenção naquilo ? É bom pra ganhar dinheiro ? Será que o DVD “já era” ?  ( Confesso que pra mim nunca foi : exceto filmes, eu, Guilherme, nunca ví um DVD de show…)

Minto : ví sim, mas do Woodstock !

Em 2001, fíz um belo DVD, com o Taffo e o seu RadioTaxi,…

Então vou fazer outro show gravado ?  Nessa mesma linguagem ? Acho que só daqui a um “bom” tempo…e põe “bom” nisso !

Não vou falar aqui das qualidades intrínsecas de nada, não estou querendo exaltar ou diminuir ninguém. Exceto pela diferença do repertório, da orquestra, do timbre das vozes, um DVD de um sublime tenor italiano, gravado nas ruínas de Pompéia com a Filarmônica de Viena, e um DVD de …XXXXX ( coloquem aqui o que quiserem…eu não dou mais a cara pra bater …eh…eh… nunca mais ! ) … ali, na pizzaria, entre muçarelas e calabresas, são ( na prática ) absolutamente iguais, devido à linguagem visual, direção de câmeras e edição. A fórmula está gasta, então os shows se transformaram no “Holiday on Ice” do entretenimento mundial…

Mas quem gosta, gosta. Pronto.

Usando um termo magistralmente resgatado à “modernidade”, pela genial Tulipa, a fama é efêmera. O significado, não. O sucesso pode ser meramente circunstancial aos investimentos de marketing. O sucesso também pode trapacear com a vitória do medíocre, quando fabricado, sem nenhum significado além da grana e da fama. Desde o início da minha paixão pela Música Popular, na tenra infância, eu já criticava a fabricação do sucesso.

O mercado da música e do Show Business cria suas fórmulas para se aprisionar nelas, tornando as estratégias de vendas mais certeiras e infalíveis. A previsibilidade é fundamental para a projeção de lucros. Só que não é assim que a vida funciona. As pessoas querem mais.

Quem é que, de sã consciencia,  ainda se impressiona com a quantidade de público, o alarido das multidões, a adesão instantânea nos “ritos”  ?  Vox Populi , Vox Dei ?  Resta saber o que se entende por “sã consciência”, porque ainda tem muita gente que adora. É insana ?

Até a Divindade, como concebida pelos humanos, pode trazer esse componente : quanto mais gente, mais significado tem. Será ?   Pois eu questiono isso.

O “Ritual” coletivo é antigo na Humanidade. As celebrações de “Poder” sempre se manifestam em um mar-de-gente-fazendo-a-mesma-coisa.  Isso não é novidade. O ser humano, pra acreditar em algo, precisa ver adesão à sua volta. Os insetos também. As manadas. Os cardumes. Os enxames. As técnicas pra se fazer isso foram dominadas, por exemplo, por Goebbels : um brilhante medíocre que ajudou a inventar um desastre sem precedentes para a Humanidade. Claro que o carisma existe, e sem Hitler, Goebbels não “se criaria” pra ser lembrado. O que eu quero dizer é que esse “significado” atrelado às multidões, ao critério de quantidade de fiéis (ou de fãs) também pode se prestar às finalidades mais espúrias… Pra mim, multidão é bacana, não tem problema, não tenho “asco” de multidão, mas também não é nada obrigatório. Tem um montão de coisas fundamentais na vida, nas quais multidões não fazem parte.

Que as pessoas ficassem “pasmas” com a histeria perante Orlando Silva, Elvis, Sinatra, os Beatles ou Roberto Carlos, é compreensível: estava se criando a indústria do disco, estava se engendrando o “show business”, a indústria cultural no Século XX. Tudo era novidade. E tem mais : eu era adolescente na beatlemania e na jovem guarda, então essa conjunção foi uma delícia !

Por isso, não critico os jovens de hoje. Deixa cada um viver seu tempo, e a festa da juventude é fundamental pro mundo. Mas eu queria algo além.

Hoje, com a tecnologia, tudo ficou muito democratizado, as ferramentas operacionais, os meios e os fins. Ficou banal. Ficou tão banal, que o próprio público também é celebridade, uma revolução sem precedentes nos costumes. Qualquer um pode fabricar o seu “sucesso” , qualquer “Zé-Mané” pode ser alçado a ter multidões para consagrá-lo.

Há, por outro lado, muitos artistas misteriosos para mim, que carregam uma aura especial, e que não frequentam os holofotes do mundo. Eles significam muito, suas obras despertam – não só em mim – sentimentos muito particulares.

O termo “particular”, para mim, encerra uma beleza extraordinária.

Particular porque especial. Particular porque não-público. Particular porque ligado ao infinitesimal da partícula, a grandeza do Universo insondável que existe, não só “para fora”, para as grandezas portentosas do infinito visivel , mas também “para dentro da Matéria e do Espírito”.

Então eu queria contar a minha história explorando essa natureza “particular”.

A idéia é boa, porque ninguém está fazendo isso. A idéia é urgente, porque eu estava com vontade há tempos. A idéia é factível, porque a minha memória ainda anda fresca a respeito de tudo na minha história, e por eu dispor do espaço e das ferramentas pra fazer. A execução poderia ser de uma forma inovadora, que é num coletivo de direção, onde a ótica de um diretor convidado não interferisse de forma alienígena numa narrativa tão pessoal.

Num mundo mórbido, via de regra, as reminiscências, a “memorabilia”, o relicário, são souvenirs que vão ser descobertos e desencavados quando a pessoa não está mais presente. Seja pela simples desistência da carreira, pelo auto exílio misterioso de um Rimbaud, de uma Garbo, pela extinção de uma banda, ou pela morte de um Hendrix, de um Freddie Mercury, de um Renato Russo, de um Cazuza, de uma Amy Winehouse, de uma Cassia Eller, o mundo então trata de recolher os vestígios daquela passagem pelo mundo…E todo mundo se interessa.

Eu gostaria que houvesse tido tempo, e meios, pra alguns dos meus ídolos que já se foram, contarem pessoalmente como é que fizeram suas coisas : Tim, Taiguara, Johnny Alf, Simonal, são alguns nomes entre inúmeros outros.

Alguns vivem um tempo maior, como Jorge Luis Borges, Oscar Niemeyer… Alguns têm um tempo exíguo, sendo ceifados precocemente, como o fundamental Richie Valens…

Mas é muito bom estar vivinho-da-silva !

Alive and kicking.

O que importa é que pra mim esse documentário é um prazer muito grande compartilhar !

Cheers !

 

 

Componente Existencial Zero

Estamos em casa, tentando tirar um final de semana de folga, sereno… Como todos sabem, moro na Bahia. Moro num bairro perto da praia, então os finais de semana são alegres e ensolarados. Como em todo país, reina um clima altamente etílico no ar… Carros com sistemas de som potentíssimos progressivamente vão invadindo o ar por toda parte. Vizinhos começam a beber às 9 da manhã e pretendem prosseguir até segunda-feira, então para “dar o clima” aos churrascos, nada melhor do que um sonzinho… Mas que sonzinho, heim ?

Há um significado nesse som alto, além de tornar a vida do vizinho insuportável. É uma invasão deliberada, existe uma afirmação primitiva de território, ali…

Já viajei muito pelo mundo, não existe isso no Japão, na Espanha, nos Estados Unidos, na Inglaterra, em Portugal, me parece que a legislação proíbe. No Brasil, país barulhento por natureza, se tornou costume a competição de volume sonoro, então fica ridículo…

Temos que fugir para o alívio reconfortante do silêncio, em algum lugar… Que fosse alguma música bonita, pelo menos…mas não : é bruta, é grosseira, é feia.

Às vezes me embrenho no emaranhado de conjecturar o que acontece no Brasil de hoje, de tão peculiar, que fez proliferar na arte popular (me diz respeito especialmente na música) um grande mal, que eu chamo de “utilitarismo”. A música popular sempre foi um item de forte identificação nacional. Com a mistura de culturas, os povos da America Latina sempre apresentaram grande riqueza rítmica, melódica e poética, e até ouso dizer , maior do que em qualquer outro Continente. Até os Estados Unidos têm na cultura latina um forte componente flavorizante : seria bem menos atrativo aquele grande país sem a contribuição da latinidade. Desde os inúmeros caribenhos, passando por México, Colômbia, a hoje triste Venezuela, Peru, Chile e Bolívia, são fortes no lançamento de gêneros musicais ricos e saborosos. A Argentina, com suas misturas de cultura europeia com o rico folclore…  No caso específico do Brasil, a harmonia – por força de uma inspiração “francesa” na cultura da República – é  um componente nobre, e que sempre nos diferenciou, se intensificando com a Bossa Nova, graças ao gênio de Tom Jobim e seus contemporâneos. É bem verdade que sempre foi uma nação excludente e perversa. Nos anos 40, por exemplo, havia uma “maioria invisível” às estatísticas.   Eu já sabia disso, intuitivamente, mas nunca tinha prestado muita atenção …

Há uns anos atrás, numa temporada de shows no Bar Brahma, eu ia todas as quartas feiras passar o som, depois voltava à noite pra tocar, e, me hospedando ali perto, virei frequentador… Ali há um mural com uma grande foto da São Paulo dos anos 40, tirada no Largo do Café… Milhares de homens de chapéu, ternos de casimira e de linho… Homens brancos. Pouquissimas mulheres. Nenhum único negro…Esse é o Brasil de Pixinguinha.

Havia, tradicionalmente, no país, uma “cultura dos salões”, aristocrática, e mesmo os expoentes da legítima cultura popular, como Donga, Nelson Cavaquinho, Cartola, Adoniram Barbosa, Cyro Monteiro, apresentavam uma sofisticação elaborada, que agradasse no Rádio e no mundo do Disco. Lembre-se que os toca-discos eram, a princípio, caros, eram objetos da elite. Assim foi com o Rádio e a Televisão : quem quisesse sobreviver, tinha que agradar aos paladares sofisticados dos “salões” da aristocracia… Isso ocorreu nos EUA, por exemplo, no auge do Jazz. Artistas das “periferias e guetos” se infiltrando nas altas rodas : era uma forma nobre de capilaridade social. Eis o segredo da qualidade dessa turma. O pressuposto de uma exigência de erudição.

E assim se consolidou o Samba, se gerou o Samba-Canção, que finalmente desembocou na Bossa Nova, uma moda irresistível  e chique , que varreu o mundo no pós-guerra, quando os americanos “descobriram” o grande irmão do Sul: até o Walt Disney inventou o Zé-Carioca, certamente sob encomenda do governo americano…

A Bossa Nova era a bola da vez no mundo, e foi avassaladora, invadindo todas as festas regadas a White Horse, Old Parr, Cuba Libre e cigarros, e só foi ultrapassada com o surgimento dos Beatles, em 62 : começava ali a era da maconha, costume já de uma outra geração…

O caminho percorrido pela tão propalada “Linha Evolutiva” de Caetano, daí pra frente, é sobejamente conhecido, e não carece ser relembrado aqui.

O que marca profundamente a música popular dos anos 30, 40, 50, 60, 70 e 80, é um certo “componente existencial”

Fosse o gênero que fosse, com todas as nuances entre a pura vanguarda e a mera diversão, sempre havia por trás essa busca pela individuação da pessoa humana.

Trazer alegria, melancolia, fazer a crítica, o deboche, evocar ideologia, ou até rancor, não importa : o importante seria penetrar na vida sensível do ser humano.

Encurtando essa prosa, quando chegamos ao momento atual, percebemos que houve um empobrecimento profundo na forma com a qual a música popular é utilizada pela maioria da população, e isso especificamente no Brasil. Isto é o momento que vivemos, um suplício para quem não está integrado ao movimento majoritário, que é “a balada”: um estado primitivo de embrutecimento cerebral, “engazopamento” auditivo, pano de fundo para um comportamento grosseiro que, via de regra, remete à celebração coletiva de um “clima de azaração”. Em nome da eficiência objetiva em grandes eventos do show-business, a música se torna utilitária. O importante é funcionar naquele contexto, e muitos são especialistas, mas as fórmulas viram uma prisão.

Não é só festa esse tipo de som, em todas as vertentes. Festa é o que o mundo gosta, sempre existiu, não há problema algum com a festa, ou com o mero entretenimento despreocupado. O problema começa quando é mandatória uma negação de qualquer sentimento mais elaborado ou profundo, um estado de brutalismo deliberado, voltado ao mais rasteiro utilitarismo funcional.

Não quero aqui tecer loas à delicadeza na arte, aos louvores diáfanos: estes também podem ser meramente utilitários e anódinos.  Longe disso:  a arte também pode ter nuances violentas, brutais, e o bom e velho Heavy Metal não me deixa mentir… Pode até descambar para o satanismo, ao brutalismo total, à escatologia, sem o menor problema : as celebrações e “ritos” vêm carregados de questionamento sobre a existência, são instigantes !

Esse componente existencial e emotivo ao qual me  refiro não é, absolutamente, coisa do passado… Ainda persiste, por exemplo, na cultura pop do mundo: os grandes sucessos de massas da hegemonia Anglo-Americana na música, por conta de um mundo que se tornou anglófono… ( por sinal, hoje em dia, irritantemente globalizado, onde você for, ouvirá os mesmos nomes, consumirá as mesmas grifes e produtos, verá os mesmos filmes ) . Mas a qualidade está lá.  Não se tenta vender porcaria, ao menos “via de regra”, a porcaria como critério seletivo…

Não existe o orgulho da falta de qualidade.  Há pungência nas vozes, há questionamentos nas letras, há uma busca de inovação nas sonoridades, por mais “fashions and trends” que sejam a cada temporada, há um culto à originalidade nas “levadas”, uma valoração do inusitado, seja nos arranjos acústicos ou nas programações eletrônicas.

Aqui, não. O que é pra ser “bizarro” se torna repetitivo em fórmulas , chato pra cacete ! E as letras … !@#$%&)#!!!!

Pra quem (como eu) um dia pegou coqueluches como a explosão de “Trem das Onze” , fica difícil… Pra quem (como eu) pode curtir o resto da vida a excelência universal de um Luiz Gonzaga, outro sucesso de assustadora potência, fica evidente que se construiu forte tradição na cultura genuinamente popular, uma mas o “mercado” artificializado com investimentos “alienígenas” à música, se caricaturizou, hoje é muito mais visual e marqueteiro do que sonoro. O som é o de menos. O público protagonista está ali para “se filmar na balada“, o artista é um mero coadjuvante, pode ser qualquer coisa que não faz diferença. É só o batidão, pano de fundo…

Mas parece que o objetivo “atual” é esse : ser tão achatado , que se torna bem-comportado , careta e chato.

Dessa forma, hoje, o Brasil é uma nação isolada. A graça toda, nesse grande movimento boçalóide que perversamente aprisiona os espíritos jovens numa redoma de ignorância, (e não só da vida real, mas também – pior – a ignorância de qualquer delírio – uma prisão voluntária) está justamente na esculhambação, na tentativa de ser transgressora de qualquer valor qualitativo : quanto pior for, quanto mais baixo levar na escala do emburrecimento, mais resultados colherá. A massa acha engraçado ser “peba”, existe uma afirmação de inferioridade identitária nesse “riso”, vigora um espírito de “nóis semo tatú...”
E é curioso que parte significativa dessa galera, uma garotada aderente a modas, quando tem grana, lota os grandes shows internacionais, shows com qualidade explícita, e lá se comporta de forma totalmente diferente… adoram as músicas, gostam das letras…. Acham tudo “superior”. Simplesmente, porque é importado, ou pior : pega mal não achar legal !

Mas então não têm senso de nada ? Engolem o que vier ?

O utilitarismo é, pois, um antídoto articulado e proposital contra qualquer componente existencial.

Existe vida, na música do Brasil de hoje ?

Sim, existe, sim, muita vida, pelas beiradas, nas vanguardas, no bom samba, no bom rock, na boa mpb, no bom pop, no bom rap, no bom funk, no bom blues, no bom reggae, no bom dub, no bom forró, no bom axé, no bom sertanejo, na boa eletronica, no bom hiphop, na boa cumbia, no bom regaton, no bom tudo…pode ser o que for, basta que seja bom, é pedir muito?

Existe sim, o idealismo dos que são sábios e lutam contra a corrente dos zumbís.

Agora, já é segunda feira, o “clima de festa” acabou, o povo está de ressaca, então já podemos voltar pra casa.

Só quero tempo

Eu já vinha percorrendo a saga de contar todas as minhas peripécias na música, fazendo o documentário em vídeo e turbinando a caixa de 40 anos, com todos os meus discos, ambos produtos que estão pra sair ainda neste 2016…com a data redonda da minha estreia como cantor/compositor solo, em 1976…

Contar as histórias é quase tão prazeroso – e doloroso também – quanto ter vivido tudo aquilo, ter criado tudo aquilo, ter levado adiante um sonho, e querer amarrar esse sonho em relatos consistentes e ricos em detalhes, num mundo tão antrópico ( no qual é sempre muito mais fácil dissipar a energia nobre da luz e da eletricidade, deixá-las degradarem no calor do esquecimento )…

Ganhei um livro excelente, “As letras dos Beatles”, (A história por trás das canções) de Hunter Davies, editora Planeta… Muito bom, principalmente pra mostrar a importancia do tempo na construção do conteúdo.

No caso dos Beatles, a química entre os componentes foi magistral, e é de se admirar o quanto havia um caldo de cultura naquela época, para a criação do novo. É fascinante entrar nos meandros da usina de arte de John, Paul, George, três companheiros de adolescência que mais tarde, com Ringo, com Epstein ( o quinto Beatle) levariam os delírios criativos dos anos 60 ao paraiso da perfeição. Mas também é fascinante observar a rotina extenuante dessa carreira, e os danos causados por ela.

Fica claríssima a contraposição do “show business” à produção criativa. Há um momento em que Paul declara que um homem com mais de 60 anos deve ficar no estúdio criando, e que jamais ele ficaria na estrada fazendo shows e se repetindo…É engraçado…logo ele que, dos quatro, se tornou o mais disciplinado à repetição e à consagração na cultura de “arena”…Se tornou exatamente o que apostava que jamais aconteceria.

John se apresenta, a princípio, como o chefe, o “guru” da banda, o ímã atrativo, com o “drive” exato que impulsionaria os Beatles, mas depois, com a vinda de Paul, se revelou a face metódica e determinada, e nessa competição, desde cedo se estabeleceu uma dinâmica mortal de criatividade na fabricação de canções. Ambos se superavam na genialidade, e essa genialidade era baseada no prazer e no divertimento da atividade criativa. Eis o segredo… e ainda mais, com a participação de um terceiro (George) com ainda mais habilidade instrumental, com seus mistérios e profundidades, era um trio incomum de criadores ( jovens, muito jovens). Ringo caiu como uma luva, com sua humildade e generosidade, passando a estabelecer as levadas fundamentais pra que aquela “guig” se tornasse uma coqueluche que o mundo tanto desejava…

Mas é bom observar a batalha – e a disciplina da genialidade.

Melhor ainda analisar o processo de degradação que essa disciplina, mantida à base das expectativas de um mundo explosivo , com o tempo foi minando a centelha do prazer .

O sonho, de tão veloz e alucinado, se transformando em traquitana desagradável dentro das mentes e corações…

Hoje, num tempo em que o “show business” venceu, é quase incompreensível esse laboratório.

E é nele que eu estou preparado, pronto, pra mergulhar.

Que privilégio.